O que irrita mais é a ignorância. É simplesmente patética a forma como alguns portugueses desatam a falar como especialistas em temas brasileiros só porque os bisavós deles cá viveram, ou porque aqui “também” se fala português. Mesmo que aqui tenham dado umas conferências, visitado uns parentes ou participado na Flip, o conhecimento que têm sobre o que é a realidade cotidiana do Brasil é muito próximo do zero. Na verdade, bem abaixo do zero, porque, como todo o mundo sabe, ainda pior que a ignorância é ilusão de conhecimento.

Mas esta ignorância não depende apenas da combinação de distâncias transoceânicas com fotos antigas de avôzinhos no Leblon, ela se alimenta de um “mal” maior”: da arrogância moral com que a Europa ainda olha para o mundo “novo”. Por isso, os europeus desconfiam de Bolsonaro e de Trump. Porque, lá no fundo, pensam que a antiguidade é um posto só deles, que lhes permite dizer “porque no te callas”, sempre que alguém do outro lado do mar faz coisas diferentes. Como se a democracia da Europa fosse superior ou nunca lá tenha havido ditaduras. É por isto que muitos meios de comunicação social portugueses tratam Bolsonaro, não como o presidente eleito do Brasil (respeito), mas como se fosse uma aberração de circo.

Claro que há muita coisa que o presidente tem melhorar no seu discurso público e também no gestionamento da relação da sua família com o poder. O parâmetro puramente tripical pode efetivamente prejudicar o crescimento do Brasil. Apenas o presidente Português, Marcelo Rebelo de Sousa, menos ignorante, mais rico e com mais mundo que os seus antigos colegas jornalistas, percebe – até porque parte da sua família vive lá – que é impossível entender o Brasil só lendo a “Economist” num bistrô no Chiado..

No Brasil, as palavras não querem dizer a mesma coisa, os códigos de conduta não são os mesmos e até a concepção de Estado é diferente. Quando um político fala que vai contratar “snipers” para acabar com os bandidos no Rio de Janeiro faz sentido para quem vive no Rio, e isso é o que interessa no Rio e para as pessoas do Rio. Não em Lisboa ou em Berlim. Será que, se no meio de uma discussão alguém te disser: “vai tomar banho!”, tu vai mesmo ir para a ducha?