28/12/2020 - 12:57
Em 2021, o Supremo Tribunal Federal tem um encontro marcado com uma questão polêmica e histórica no Direito. Os onze ministros, em plenário presencial, terão de pacificar o seguinte ponto: o conselho de sentença do Tribunal do Júri (informalmente chamando de Júri Popular), integrado por sete cidadãos leigos, pode ser absolutamente soberano em sua decisão, mesmo que julgue o réu de forma “manifestamente contrária às provas” técnicas e científicas? Se assim o fizer, cabe recurso em segunda instância (juízes togados) para que o júri seja anulado?
No Brasil, somente no primeiro semestre de 2020, 648 mulheres foram assassinadas por motivação de gênero. Casos assim vão ao Tribunal do Júri, que detém, constitucionalmente, a competência para decidir sobre crimes contra a vida. Se o STF determinar, seguindo o enfoque garantista, que os jurados populares são totalmente soberanos e não cabe recurso à instância superior, está aberta a porta para que nos episódios de feminicídio volte a prevalecer a perigosa e enganosa tese de “legítima defesa da honra”, muito comum nos Brasil nos anos 1940, 1950 e 1960. Tese mais do que absurda, uma vez que uma mulher não pode ofender a honra do esposo, porque a honra é algo pessoal e intransferível — a honra de um indivíduo somente pode ser ofendida pelo próprio indivíduo. Na semana do Natal, ocorreram cinco casos de feminicídio no País, o último envolvendo o assassinato covarde de uma juíza no Rio de Janeiro, vítima de uma emboscada armada por seu ex-marido que não aceitava a separação do casal: ela foi morta na frente das três filhas com 16 facadas.
Recentemente, em um júri realizado em Minas Gerais, o homem que tentou matar a mulher foi absolvido. Valeu, para os jurados, mais a retórica que as provas concretas (e pensávamos que o tempo da retórica, o tempo “ganha quem fala melhor”, estivesse extinto). O caso chegou ao STF, e a Primeira Turma rejeitou o pedido de realização de novo julgamento. Nesse sentido votaram os ministros Marco Aurélio, Dias Toffoli e Rosa Weber. A favor de um segundo júri, foram votos vencidos Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. Abriu-se a porta para que homens que tentem matar ou matem suas companheiras, namoradas ou esposas sejam absolvidos.
Trata-se de uma decisão equivocada da Primeira Turma, em um momento em que o feminicídio e a brutalidade contra as mulheres aumenta no Brasil. Assim se procunciou Alexandre de Moraes: “Até décadas atrás no Brasil, a legítima defesa da honra era o argumento que mais absolvia os homens violentos (…), o que fez o País se tornar campeão de feminicídio”.