Ao longo de quase quatro anos à frente do Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro externou, em meio a crises, o principal traço de sua personalidade como governante: quando acuado, recorre ao ataque como uma válvula de escape. Às vésperas das eleições, não seria diferente. Encurralado pela falta de opções para contornar os problemas econômicos do País a curto prazo e em desvantagem nas pesquisas, o presidente busca brechas para driblar a iminente derrota no pleito de outubro mirando a artilharia no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O capitão sabe que, isolado institucionalmente, não terá sucesso em uma empreitada antidemocrática, mas ele leva a tiracolo generais-palacianos e um ministro da Defesa fiel à sua cartilha. Conforme publicou o jornal “The New York Time”, ele também já tem nos militares fortes aliados no questionamento das urnas eletrônicas e das eleições deste ano. Por isso, aposta na convulsão social ao começar a propagandear, desde já, um Sete de Setembro maior do que o de 2021, quando ensaiou uma ruptura e prometeu descumprir decisões judiciais em seu mais duro discurso contra a Suprema Corte.

URNAS Campanha contra urnas eletrônicas e o TSE tende a se intensificar: Bolsonaro tem apoio dos militares em seu questionamento eleitoral (Crédito:Danilo Verpa)

O destempero do presidente está atrelado à frustração das previsões do QG de sua campanha. Ciro Nogueira, manda-chuva do Progressistas e um dos principais conselheiros do Planalto, estimou, no primeiro semestre, que Bolsonaro empataria com Lula em intenções de voto ainda em maio. À época, as prospecções eram positivas porque o governo esperava uma boa reação da população ao Auxílio Brasil — um Bolsa Família repaginado — e previa a queda nos preços dos alimentos e de combustíveis. Ciro não poderia estar mais errado: é junho, mesmo com as reações ao programa social consolidadas o capitão está 12 pontos atrás de Lula e a inflação acumulada em 12 meses é a maior para maio desde 2003.

Sinais de desespero

Bolsonaro está desesperado e na tentativa de avançar contra Lula recorreu até mesmo a pedidos de ajuda internacional. O presidente brasileiro teria buscado o suporte do homólogo norte-americano, Joe Biden, para a sua campanha à reeleição no primeiro encontro bilateral entre os dois, ocorrido dia 9, segundo informações da agência de notícias Bloomberg. Embora os dois não tenham uma relação diplomática sólida, Bolsonaro disse ao democrata que os projetos do petista vão contra os planos dos Estados Unidos. Surpreso, Biden mudou de assunto. A investida repercutiu no Brasil. Lula declarou que um pedido como esse “é se humilhar demais”. “O Bolsonaro precisa criar coragem para conversar com o povo”, emendou. Um dos coordenadores da campanha do petista, o senador Randolfe Rodrigues adotou uma postura ainda mais contundente e frisou que “em qualquer lugar do mundo, pedir a intervenção de uma nação estrangeira em assuntos internos é crime de alta traição à pátria”. O presidente negou a veracidade das informações.

No dia a dia de governo, Bolsonaro incorporou o “modo Carluxo”, expressão usada por aliados para se referir ao mais ácido dos filhos do presidente, e voltou a levantar suspeitas contra o sistema eleitoral e a atacar os ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes. Ao fustigar mais uma vez as instituições, Bolsonaro reaquece sua base ideológica, preparando o terreno para um Sete de Setembro “anabolizado”. A antecedência com a qual ele confirmou a presença nos atos chama atenção — o presidente anunciou que marcará presença nas manifestações na última semana, a três meses da data, enquanto, no ano passado, o fez 20 dias antes. Ele, inclusive, já adiantou qual será o carro-chefe dos protestos ao declarar que seus apoiadores mostrarão que “querem eleições limpas”. Em outras palavras, mais uma vez, mesmo sem provas, levantará a tese de fraude eleitoral.

Lideranças do Congresso avaliam que a postura de Bolsonaro reflete a disposição dele em trabalhar para lotar os atos e, assim, ganhar força para repetir a retórica de que “só Deus” lhe tira do Planalto. Com a fotografia de um mar verde-amarelo nas ruas, ele pretende ganhar munição de duas formas. As imagens seriam usadas, por exemplo, como um contraponto às pesquisas eleitorais, que mostram Lula na dianteira. “Os bolsonaristas inflamados são minoria nas urnas, mas fazem mais barulho, são engajados em protestos”, admite um deputado de centro-esquerda. Em um segundo momento, os retratos tendem a servir como argumento para que o capitão alegue ter apoio e legitimidade para contestar o resultado das urnas.

ENCONTRO Bolsonaro teria pedido apoio a Joe Biden na disputa contra Lula (Crédito:Evan Vucci)

“Acreditamos que, no Sete de Setembro propriamente dito, não haverá invasões a instituições. A intenção deles será demonstrar força e preparação, além de fomentar o discurso golpista, para que, no pós-eleições, possam tomar uma atitude drástica como essa”, analisa Bira do Pindaré, líder do PSB na Câmara. “A inspiração de Bolsonaro é Donald Trump. O que aconteceu no Capitólio é o que ele quer fazer aqui. Mas lá não deu certo. Eles estão tentando encontrar caminhos para fazer algo que tenha mais êxito no Brasil”. Presidente nacional do PDT, Carlos Lupi acrescenta que, além do viés antidemocrático, os atos servirão como uma “cortina de fumaça” para os problemas reais do País a um mês das eleições. “O que ele quer é desviar a atenção do preço do gás, da luz e do combustível. É uma técnica que está ficando ultrapassada. Pão e circo está cansando”, comenta. “Bolsonaro vai reciclar a fala de que há fraude. Parece desculpa antecipada de perdedor”.

Bolsonaro não espalhará apenas mentiras sobre as urnas eletrônicas, repetindo que não são auditáveis ou que a contagem de votos acontece em uma sala secreta. Sob reserva, aliados admitem que o presidente muito provavelmente incitará a população contra magistrados de forma individualizada. Um dos alvos será Edson Fachin, o qual ele costuma acusar de trabalhar pela eleição de Lula. Indicado por Dilma Rousseff ao STF, o ministro-relator da Lava Jato foi quem anulou as condenações do ex-presidente na Operação por entender que a 13ª Vara Federal de Curitiba não tinha competência para julgá-lo — a decisão, meses depois, acabou referendada pelo plenário. Ao mesmo tempo, a relação entre Bolsonaro e Moraes, que, em setembro, já estará no comando do TSE, estará mais conturbada do que o usual. O ministro não deve dar vida fácil a bolsonaristas no pleito — ele avisou que quem difundir desinformação contra adversários durante eleições terá o registro cassado e poderá até ser preso pelo ato. Interlocutores do Planalto lembram, ainda, que Moraes não atuará apenas na Justiça Eleitoral e apostam que o ministro pode despachar tanto no inquérito que mira o presidente pelos ataques às urnas quanto no das milícias digitais, que tem, entre os investigados, Eduardo e Carlos. Mais munição.

Ministros do TSE e STF com trânsito no Exército costumam medir a temperatura dos quartéis à medida que escalam os discursos antidemocráticos de Bolsonaro. No último da 31, por exemplo, o presidente da corte eleitoral, Edson Fachin, recebeu o general Fernando Azevedo e Silva, ex-ministro da Defesa, para um tête-à-tête sobre “paz e segurança nas eleições”. Interlocutores dos dois dizem que eles têm a avaliação de que o presidente não encontraria guarida para uma investida antidemocrática no Alto Comando do Exército, mas se preocupam com a reverberação das falas golpistas entre os militantes mais radicais.

A data que mais preocupa o TSE, por ora, é a da diplomação, cerimônia realizada após o fim dos prazos de questionamento e de processamento do resultado das eleições, na qual a Justiça reconhece que o candidato foi efetivamente eleito pelo povo e, por isso, está apto a tomar posse no cargo. Neste ano, haverá um espaço de até 50 dias entre o segundo turno, previsto para 30 de outubro, e a solenidade, que pode ocorrer até 19 de dezembro. Ou seja, na prática, existe espaço de sobra para o planejamento de atos contra as instituições — pacíficos ou não. Entre os fardados, a previsão, com base no retrato atual, é de manifestações ordeiras tanto nos atos do Sete de Setembro, quando, frise-se, será retomado o tradicional desfile cívico-militar de celebração da Independência, quanto nas datas-chave das eleições. O monitoramento, porém, é atualizado quase que semanalmente. Como praxe em dias de grandes movimentos sociais, um número elevado de militares ficará aquartelado. Eles são mantidos em prontidão para o caso de emergências. No Exército, o pior cenário, o qual, segundo expectativas internas, não acontecerá, aponta para a perda do controle pelas polícias militares na segurança e um consequente emprego da Garantia da Lei e da Ordem, com o envio das tropas para as ruas.

NA TOCAIA Randolfe diz que Bolsonaro é um traidor da Pátria (Crédito:Antonio Molina)

De tão frequentes, os ataques de Bolsonaro à democracia, orquestrados sob a batuta de Carlos e Eduardo, os mais radicais de sua prole, deixaram de provocar a reação do meio político e de entidades. Procurada, a Ordem dos Advogados do Brasil, por exemplo, silenciou sobre a preparação de mais um ato golpista. O erro de parte das instituições é apostar que as falas não passam de blefe. Na semana passada, o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, voltou a cobrar Fachin, como se as Forças Armadas estivessem assim do TSE. Dois dias antes, em pleno Congresso, ao ser questionado sobre um eventual apoio a um golpe, limitou-se a citar o artigo 142 da Constituição, o qual, entre outros pontos, estabelece que as Forças Armadas agem “sob autoridade suprema” do presidente. Os sinais não devem ser ignorados.
A história é prova disso.

Crise na campanha

As estratégias de comunicação para o crescimento de Bolsonaro nas pesquisas colocaram, de um lado, Carlos e a base ideológica e, do outro, Flávio e o Centrão. O racha tornou-se público na semana passada, quando Carluxo, responsável pela campanha nas redes, criticou uma das inserções do PL na propaganda partidária, que teve, como estrela, o pai. Na peça, idealizada pelo marqueteiro Duda Lima, homem de confiança de Valdemar Costa Neto, o presidente expõe um novo slogan. “Sem pandemia, sem corrupção, com Deus no coração, seremos uma grande nação”, diz Bolsonaro. Em resposta, Carlos valeu-se da ironia: “Vou continuar fazendo o meu aqui e dane-se esse papo de profissionais do marketing…. Meu Deus”.

Antonio Molina

A reação nas redes sociais é apenas uma pequena exibição do caos que se instalou nos bastidores — as rusgas são tamanhas que, em conversas com interlocutores, Valdemar chegou a chamar o 02 de “moleque” e “irresponsável”. Carlos, a quem Bolsonaro atribui a responsabilidade por sua vitória na corrida presidencial de 2018, quer apostar em uma campanha similar à anterior, enviesada pela pauta ideológica e pelos ataques ao PT.

Outro problema da campanha é que o PL não conseguiu emplacar em suas inserções um nome considerado como importante ativo: Michelle Bolsonaro, vista como ponte entre o presidente e o eleitorado feminino, no qual ele enfrenta grande rejeição. A solução foi recorrer à ex-ministra da Secretaria de Governo Flávia Arruda. Mas ela não tem o mesmo apelo, segundo integrantes da campanha.