Vai começar na semana que vem, no Congresso, a batalha da década – aquela que pode definir o futuro do governo Bolsonaro. Com a bênção do Planalto, o senador Márcio Bittar (MDB-AC) apresenta o seu relatório sobre a PEC do Pacto Federativo. Dele vai constar um novo programa social, em substituição ao Bolsa Família e ao coronavoucher, que só pode ser pago até dezembro. Ou a oposição combate de maneira feroz qualquer projeto que traga a digital de Bolsonaro, ou lhe entrega de mão beijada a plataforma da reeleição. 

A pesquisa CNI/Ibope divulgada ontem mostra o efeito do auxílio emergencial na aprovação do presidente. A política de transferência de renda que o Congresso obrigou o governo a adotar se sobrepôs a todas as barbaridades intencionalmente realizadas por Bolsonaro (desprezo à ciência na pandemia, descaso com o meio ambiente, ameaças à democracia) e fez um novo contingente de pessoas se juntar aos apoiadores incondicionais do presidente, dando a ele 40% de avaliações boas e ótimas.

Será uma grande ironia – e uma grande injustiça – se Bolsonaro se reeleger graças a políticas sociais que ele sempre criticou e só abraça agora por oportunismo. 

O que fazer? Primeiro, é preciso denunciar (as gritos) as falácias do discurso que o governo está ensaiando para fazer avançar os seus planos. 

Paulo Guedes quer recriar a CPMF, ou lançar algum outro pacote tributário, para financiar duas “bondades”: o novo Bolsa Família e uma desoneração de folha de pagamento que, em tese, ajudaria a criar empregos em massa. 

No meu último artigo, mostrei que não existe nenhuma garantia que esse tipo de desoneração vá ajudar a criar postos de trabalho. Pelo contrário, a experiência brasileira da última década revela que isso não acontece. E não sou em quem digo, é um estudo assinado pelo braço direito de Paulo Guedes, Antonio Sachsida. Lá se vai uma das justificativas para implantar o arranjo tributário desejado pelo ministro. 

A outra falácia é que o novo modelo de tributação criaria por si só o espaço fiscal necessário para ampliar os gastos com um programa de transferência de renda. Não é assim que as coisas funcionam com o teto de gastos em vigor. Mesmo com aumento de arrecadação, o governo não pode gastar mais. Assim, para financiar o tal substituto do Bolsa Família, terá de arrancar dinheiro de outras áreas (Educação e Saúde são os principais candidatos) ou criar alguma gambiarra para burlar o teto de gastos.  

Qualquer gambiarra dessa natureza precisa ser demolida (às marretadas). Já escrevi aqui algumas vezes que discutir a flexibilização do teto não deveria ser tabu, pois ele impõe restrições que talvez sejam pesadas demais para o cenário pós-pandemia. A discussão, no entanto, deveria ser feita de forma transparente e sem perder de vista a necessidade de alcançar o equilíbrio fiscal em curto prazo.

Não foi esse o caminho adotado por Paulo Guedes. Ele preferiu se aferrar ao discurso de que o teto é sagrado. No entanto, ninguém mais acredita que ele terá força para impor essa solução (se é que ainda a deseja de fato) enquanto todos os conselheiros políticos de Bolsonaro, no Centrão e na ala desenvolvimentista do governo, pregam o contrário. A fuga de capitais estrangeiros dos últimos meses e a curva dos juros futuros indicam que uma explosão do teto é aguardada por investidores.

Se o governo não quis fazer o debate correto, o Congresso não pode permitir que lance mão de um truque para furar o teto e garantir a Bolsonaro o seu “bolsa popularidade”.

Mas a agenda não precisa ser apenas negativa. Toda essa história do novo programa social atropelou a proposta de aprimoramento do Bolsa Família que já estava adiantada no Congresso, com apoio de todas as lideranças partidárias, por meio do PL 6072/2019.

Esse PL incorpora ideias que vêm sendo amadurecidas há anos por gente que entende muito mais de políticas sociais do que Paulo Guedes, como André Portela e Ricardo Paes de Barros. Seu objetivo é eliminar ineficiências e pontos-cegos do Bolsa Família. 

Por exemplo, ele pretende tornar automático o retorno ao programa de quem saiu por ter obtido um emprego, mas logo em seguida foi demitido. A dificuldade de voltar a receber o benefício é algo que desincentiva as pessoas de procurar trabalho, pois elas temem acabar sem nada – o salário, que é sempre incerto, e o dinheiro do Bolsa Família, que é garantido enquanto se está no programa. 

Outra ideia é manter os pagamentos da bolsa, com redução paulatina, por até três anos depois que a pessoa arranjar ocupação. É outra forma de incentivar as pessoas a se virar sozinhas. 

Finalmente, seria bom tornar o Bolsa Família – com esse nome ou qualquer outro que se queira dar – um programa de Estado, e não mais de governo. Seria a solução definitiva para impedir que cada novo presidente se veja tentado a bulir com os benefícios para conquistar a boa vontade e a confiança de quem depende deles. 

Desde o momento em que quiseram instituir um coronavoucher de R$ 200,00, no começo da pandemia, Bolsonaro e Paulo Guedes foram absolutamente incompetentes ao lidar com o tema do bem estar social. Nada mudou desde então – basta lembrar da live recente em que Bolsonaro rodou a baiana e disse que não queria mais ouvir falar de programa de transferência de renda. Ui!

Não há nenhum bom motivo para o governo ganhar o presente de um novo Bolsa Família, turbinado e abrangente. Mas vai acontecer se a oposição ficar inerte e não lutar, com unhas e dentes, o bom combate.