04/04/2018 - 6:00
Após voltar ao comando da seleção feminina de futebol no final de setembro do ano passado depois da conturbada saída da técnica Emily Lima, o técnico Oswaldo Alvarez, o Vadão, encara nesta sua nova passagem pelo cargo o seu primeiro grande desafio à frente do time nacional a partir desta quinta-feira, quando o Brasil enfrenta a Argentina, às 19 horas (de Brasília), em Coquimbo, no Chile, na estreia da Copa América de 2018.
O torneio garante duas vagas no Mundial de 2019, na França, e nos Jogos Olímpicos de 2020, em Tóquio, no Japão, assim como assegura os quatro primeiros colocados nos Jogos Pan-Americanos de 2019, em Lima, no Peru. O comandante admite que a seleção defenderá a condição de favorita como principal potência entre as participantes da competição continental, mas deixou claro, em entrevista ao Estado, que está muito insatisfeito com o cenário do futebol brasileiro feminino como um todo.
Embora exalte o trabalho que a CBF vem promovendo desde a criação da seleção permanente, em 2014, quando chegou para dirigir a seleção feminina pela primeira vez, o comandante diz que a equipe é vítima do fato de que o País conta com poucos clubes que possuem times femininos. Além disso, Vadão aponta que governos estaduais e prefeituras não criaram até hoje planos para desenvolver a modalidade para as mulheres e se tornarem parte importante neste processo de formação e revelação de jogadoras.
“Não existe plano de governo para desenvolver o futebol feminino, não existe plano nas escolas, não existe em lugar nenhum no Brasil. Por isso que se transferem muito as coisas para a CBF, que faz a parte dela. A CBF teria de apenas selecionar as melhores jogadoras e tentar dar as melhores condições às jogadoras, como ela já dá. As jogadoras estão há três meses aqui na Granja Comary, tem salário, tem tudo, mas quem não faz o investimento é o restante”, disse Vadão, na semana passada, do CT da seleção em Teresópolis (RJ), poucos dias antes de embarcar rumo ao Chile.
Vadão lembra que a partir do próximo ano será obrigatório para os clubes manterem equipes profissionais femininas para poderem disputar a Copa Libertadores. A Conmebol anunciou esta exigência em 2016, visando colaborar para o crescimento da modalidade entre as mulheres, mas o treinador alerta que os times brasileiros ainda cobram que a CBF desempenhe esse papel de formar as jogadoras, enquanto que o certo seria que os clubes fizessem um trabalho que beneficiasse à seleção.
“Todo mundo fica criticando a CBF, mas ela é a única que está dando as condições para se desenvolver o futebol feminino e não pode ser a única responsável pela formação das jogadoras. Quem tem que formar as atletas são os clubes para que a gente vá lá e busque nos times as melhores jogadoras, assim como já acontece no masculino. No feminino é ao contrário: os clubes cobram que a CBF faça esse papel”, reclamou.
A CBF e o próprio Vadão, entretanto, reconhecem que atualmente não há um projeto ou uma iniciativa efetiva em andamento promovida pela entidade exclusivamente para que os clubes se interessem em investir no deficitário futebol feminino nacional, que tem pouco espaço na mídia e está muito longe de conseguir atrair bons públicos nas partidas entre times, diferentemente do que acontece em países como os Estados Unidos e a Alemanha, por exemplo.
“Em um determinado momento, a CBF criou um comitê, que deu várias ideias (para alavancar a modalidade) que precisariam ser estudadas. E isso aconteceu em um momento no qual eu saí da seleção. E quando eu voltei este comitê já havia sido extinto. Na época, foi solicitado que o Campeonato Brasileiro fosse mais longo e agora está sendo… Muita coisa boa foi feita de lá para cá, mas isso ainda é muito pouco”, lamentou Vadão, que também admitiu: “Estamos atrasados em relação a outros países, a divulgação lá fora é uma coisa absurda. Aqui as coisas boas são insignificantes perto dos problemas”.
Ao dar um exemplo sobre as dificuldades que enfrentou para convocar a seleção para esta Copa América, o treinador citou o caso de uma meio-campista que foi descoberta há pouco tempo, por meio da indicação de um conhecido, enquanto estava defendendo o time da Universidade de Baylor, nos Estados Unidos.
“Para o Brasil se manter entre os favoritos para ganhar títulos, temos de ter clubes onde possamos buscar as atletas. A Aline Milene, que a gente convocou para a Copa América, é uma menina de Belo Horizonte que joga em um time de uma universidade dos EUA que um amigo meu me indicou. Aí eu trouxe a menina, ela treinou com a gente e descobri que ela é muito boa jogadora, mas a gente não pode viver de a seleção brasileira descobrir as jogadoras”, enfatizou.
E se a relação entre clubes e a CBF ainda caminha a passos de tartaruga para o desenvolvimento do futebol feminino, o que existe hoje de concreto no âmbito do relacionamento da entidade com as prefeituras das cidades é apenas o projeto CBF Social, lançado em junho de 2015, mas com objetivo principal de fomentar ações de responsabilidade social por meio do esporte. A iniciativa visa promover atividades de inclusão através do futebol, o que ajuda um pouco a promover o interesse das meninas pela modalidade, mas não impacta de forma significativa para o crescimento do futebol feminino do País.
Essa falta de estrutura da modalidade para as mulheres no Brasil, por vezes, acaba provocando a debandada de outras jogadoras nascidas no País que optam por se naturalizarem para defender outras seleções. “Tem jogadora que a gente não pôde trazer para jogar na seleção sub-20 porque ela quer jogar pela seleção norte-americana, pois lá fora dão a ela todas as condições, dão faculdade, bolsa de estudos e tudo para que ela jogue. Precisamos de um plano de governo, que os prefeitos das cidades digam que é preciso ter futebol feminino nas escolas e em escolinhas, assim como já acontece no masculino. Aí você pergunta por que o Brasil não é mais tão competitivo como antes? Porque não existe plano de governo para isso”, admitiu Vadão.