ESPERA Fila em posto de saúde no Rio: governo omisso causa transtornos para a população (Crédito:Márcia Foletto)

Ao mesmo tempo em que a Covid-19 se torna mais letal no Brasil por causa de novas variantes com alta velocidade de transmissão, o governo federal perde tempo precioso com questões secundárias e continua sendo ágil apenas na distribuição de cloroquina, maior falácia do presidente Jair Bolsonaro. Ao longo da semana, várias cidades no País suspenderam a vacinação por falta de produto. Os estoques do governo estão acabando e durante alguns dias a campanha será interrompida ou reduzida. Os casos mais dramáticos são os do Rio de Janeiro, Teresina, Campo Grande, Cuiabá e Salvador, onde já parou. Em outras capitais como Porto Alegre, Florianópolis, Curitiba, Fortaleza, João Pessoa e Goiânia, a previsão era de que o imunizante acabasse no fim de semana. O presidente da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), Jonas Donizette, declarou pelo Twitter que “é inadmissível que as cidades paralisem a imunização por falta de vacinas”. “Precisamos entender os cenários e traçar estratégias”, diz.

Diante do caos instalado na gestão da pandemia, o ministro Ricardo Lewandovski atendeu nesta semana um pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) e autorizou a Polícia Federal a realizar diligências no inquérito que investiga o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, por omissão na crise sanitária em Manaus. Em vez de conseguir oxigênio para a população, o ministro receitava cloroquina como tratamento preventivo contra a doença. Mantendo o seu padrão destrambrelhado, o ministro errou mais uma vez ao demorar para reagir na compra de vacinas. Só na terça-feira 16, o Ministério anunciou um acordo de aquisição de 54 milhões de doses da Coronavac, o que já poderia ter sido feito há pelo menos duas semanas. O Brasil vem registrando a maior média móvel diária de mortes desde o início da pandemia: 1.105. Há 10 milhões de contaminados e mais de 245 mil mortos. Até agora, cerca de 5,5 milhões de brasileiros foram vacinados, o que corresponde a 2,6% da população.

No Rio de Janeiro, onde a falta de vacinas começa a causar comoção social, a Secretaria Estadual de Saúde recebeu 1.040.320 doses de vacina contra a Covid-19, sendo 855 mil da Coronavac e 185 mil da Astrazeneca/Oxford. O estoque se esgotou nos 92 municípios que receberam o imunizante. Durante a semana filas de pessoas idosas, todas temerosas pelo fim da vacina, se formaram nos postos de saúde do Rio de Janeiro. “Estou desde o início da pandemia sem sair de casa”, afirma a artista plástica Anna Carolina Albernaz, 77 anos, que mora no bairro de Humaitá e esperava ser vacinada neste mês, mas não terá essa alegria antes de março. A campanha de vacinação no estado só será retomada após a chegada de mais doses, sem data prevista. Há pessoas com mais de 80 anos na cidade que não foram vacinadas. “Há 102 pessoas antes da minha mãe”, conta Valéria Aires, 59, sobre a progenitora, Maria Marta, 85, que vive acamada. “No caso da minha mãe, a vacina vai ter que chegar até ela.”

Vergonha nacional

“Deveríamos ter um conjunto de ações para reduzir o impacto da pandemia. Quanto mais vacinas tivermos, mais rápido vamos imunizar as pessoas” Antônio Bandeira, médico infectologista (Crédito:Uendel Galtier)

O preço que se cobra agora da população é devido à condução da pandemia, que foi desastrosa desde o princípio. O governo federal optou por tirar a independência de atuação do Programa Nacional de Imunização, sistema no qual o Brasil tem tradição centenária de bom desempenho, transferindo a responsabilidade para os municípios. “Poderíamos ter impedido muitas mortes nessa pandemia. Acho esse presidente um louco, genocida”, afirma Anna Carolina. Hoje, o País dispõe de apenas metade do lote inicial de 10,8 milhões de doses da Coronavac e de metade dos 2 milhões de doses da vacina AstraZeneca/Oxford para continuar a imunizar. Para Antônio Bandeira, médico da Sociedade Brasileira de Infectologia, é uma vergonha o Brasil estar nessas condições. “Deveríamos ter um conjunto de ações para reduzir o impacto da pandemia”, diz. O infectologista explica que o ideal seria que tivéssemos mais opções. “Quanto mais vacinas tivermos, mais rápido vamos imunizar as pessoas”, afirma. O médico esclarece que o vírus naturalmente vai sofrendo mutações e corre-se o risco de as vacinas não acompanharem as mudanças. “Hoje os imunizantes são eficazes, mas se demorar muito, podemos perder essa capacidade”, diz.