Público-alvo e número de doses reduzidas devem surtir pouco efeito na redução do número de casos. Eliminação de criadouros ainda é estratégia mais eficaz, dizem cientistas ouvidos pela DW. Nos pontos de saúde que irão receber a vacina da dengue em todo o país, a procura por informações é intensa. Preocupados com a alta no número de casos, pais de crianças e adolescentes entre 10 e 14 anos, o primeiro grupo a ser vacinado em 2024 pelo Sistema Único de Saúde (SUS), querem saber quando e como a campanha terá início.

Prevista para o mês de fevereiro, as datas da imunização, que precisa ser administrada em duas doses com intervalo de 90 dias, ainda não foram divulgadas. Segundo as secretarias nos estados ouvidas pela DW, os agentes locais aguardam as determinações do Ministério da Saúde, responsável pela distribuição. A remessa inaugural, de 757 mil doses, chegou ao país em 20 de janeiro.

O primeiro mês de 2024 registrou uma disparada de casos. Em Santa Catarina, a alta foi de 2.800% em relação ao mesmo mês do ano passado. No Paraná, Rio de Janeiro e Distrito Federal, o aumento foi superior a 1.000%. Dados preliminares do ministério apontam 217.481 doentes prováveis de dengue em todo o país.

A chegada da vacina na rede pública e a escolha do público-alvo, faixa etária que concentra maior número de hospitalizações, são escolhas acertadas. Mas a campanha inicial terá um impacto limitado, analisam cientistas ouvidos pela DW.

“A vacina não será milagrosa neste momento. À medida que a campanha for ampliando para as demais faixas etárias e para mais pessoas, a vacina criará um efeito de proteção coletiva”, afirma Joziana Barçante, pesquisadora na área de doenças infecciosas e parasitárias da Universidade Federal de Lavras (UFLA).

“Impacto individual”

Por isso, não seria adequado medir o sucesso da vacinação com base no número de casos, pondera André Giglio Bueno, médico e professor de Infectologia da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica em Campinas (PUC-Campinas).

“O impacto será mais individual. Para um programa de vacinação de dengue ter êxito em termos nacionais, teria que ter um alcance muito maior, vacinar toda a população elegível. Só assim será possível ser mais esperançoso e pensar no número menor de casos de dengue”, detalha Bueno à DW.

O governo federal alega que a compra reduzida de doses se deve à capacidade limitada da fabricante, a japonesa Takeda. Ao longo do ano, a expectativa é que 3,2 milhões de brasileiros sejam imunizados contra a dengue. Em 2025, o país deve receber nove milhões de doses da vacina.

Questionado, o Ministério da Saúde não respondeu às perguntas da DW até o fechamento desta reportagem.

Principal estratégia ainda é eliminação dos criadouros

Diante do cenário, a principal estratégia contra o vírus, transmitido pelo mosquito aedes aegypti, continua sendo a eliminação dos criadouros, reforça Denise Valle, pesquisadora do Laboratório de Medicina Experimental e Saúde do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz).

“Há uma certa exacerbação do efeito benéfico das grandes tecnologias, como a vacina e os mosquitos estéreis. Elas são bem-vindas, mas, na prática, são complementares. Todos os esforços têm que ser contra o mosquito”, afirma Valle.

O método de controle é um velho conhecido dos brasileiros: não deixar a água acumular em recipientes. É nesse ambiente que o aedes se multiplica. Cerca de 75% dos criadouros detectados pelos agentes de saúde estão dentro de casa.

“Claro que os órgãos públicos têm uma grande responsabilidade em batalharem pela vacinação, disponibilizarem para mais faixas etárias e numa quantidade maior. Mas a outra parte, que é cuidar de dentro de casa, é nossa responsabilidade. Para que o programa tenha sucesso, as duas coisas precisam caminhar juntas”, analisa Barçante.

Por outro lado, a pesquisadora critica a falta de ações mais coordenadas em todo o país. “Não adianta um município capacitar seus agentes de saúde, trabalharem a sensibilização e divulgação de informações se o município vizinho não faz o mesmo. Neste sentido, falta uma coordenação para trabalhar ações de forma sincronizada”, cita como exemplo.

Estudos apontam que os criadouros mais produtivos do aedes aegypti estão em áreas coletivas, como chafarizes, obras abandonadas e cemitérios. A água parada onde o mosquito se reproduz não precisa ser tão limpa assim: a larva se alimenta das “sujeirinhas” – a matéria orgânica presente na água – e tem bastante resistência à escassez de alimentos, mesmo na fase inicial de vida.

Por que os casos de dengue estão aumentando tanto?

Para os especialistas ouvidos pela DW, a explicação para o aumento vertiginoso no número de casos por todo o país se deve a dois fatores: o mosquito está bem estabelecido em todo o território e as condições climáticas favoreceram sua multiplicação.

“Quanto mais vetores, maior o risco de um mosquito contaminado picar alguém. A relação com o clima é muito clara – quanto mais quente e maior o volume de chuvas, maior a proliferação. Pelo contexto que estamos vivendo, de aquecimento global e El Niño, já havia uma expectativa de alta recorde de dengue”, comenta Bueno.

Denise Valle, da Fiocruz, teme que o efeito da questão climática seja usado como desculpa para o abandono dos cuidados básicos. “É perigoso ficar atribuindo o aumento de casos só à questão do aquecimento global, pois tira o compromisso de cada um, do poder público, de aderir aos cuidados que são importantes, que é a eliminação dos criadouros”, afirma Valle.

A epidemia, pontua a pesquisadora, é agravada pelas desigualdades sociais que os brasileiros enfrentam, como a coleta deficitária de lixo e falta de saneamento básico. “As pessoas não têm água na torneira e estocam água para usar em casa. Esses lugares acabam virando criadouro, por exemplo. Mas isso só mostra que as doenças se proliferam também por problemas sociais”, diz.

Outro fator que influencia o cenário é a existência de pelo menos quatro tipos de vírus em circulação. “Depois de doente, a pessoa adquire imunidade a um sorotipo específico. E a dinâmica de circulação de sorotipos não é muito clara; eles às vezes circulam todos de uma vez, ou vão se intercalando”, explica o médico André Giglio Bueno.

Mais opções de vacina

Fabricada pela farmacêutica Takeda, fundada em 1781 no Japão, o imunizante Qdenga foi aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em março de 2023 e recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em outubro do mesmo ano.

Nas farmácias, a busca pela vacina cresceu 400% nos últimos três meses. Na rede privada, o imunizante custa cerca de R$ 400 e é aplicado com prescrição médica em pessoas de 4 a 60 anos.

Uma vacina nacional desenvolvida pelo Instituto Butantan aponta resultados promissores. Segundo estudo publicado na revista The New England Journal of Medicine e divulgado nesta nesta quinta-feira (01/02), o imunizante evitou o adoecimento de 79,6% dos vacinados.

Segundo o paper, a opção brasileira contém versões atenuadas dos quatro sorotipos do vírus. Ela se mostrou segura e eficaz para pessoas entre 2 e 59 anos com histórico de infecção e para os que nunca foram infectados.

A expectativa é que um relatório com os resultados seja encaminhado à Anvisa no segundo semestre para pedir o registro do produto. “Se tudo correr bem, devemos conseguir a aprovação definitiva em 2025. Já temos infraestrutura para produzir o imunizante no Butantan, embora ela ainda possa ser aprimorada, afinal, são quatro vacinas em uma”, disse à agência Fapesp o infectologista Esper Kallas, primeiro autor do estudo.

Joziana Barçante defende a ampliação das vacinas, mas faz um alerta. “Neste momento, a proteção é só contra o vírus da dengue. Vale lembrar que o aedes aegypti transmite outras doenças, como chikungunya e zika. A vacina pode gerar uma falsa segurança na população de que está tudo bem, por isso não se pode relaxar no combate aos criadouros”, conclui.