Em uma de suas poucas fotos conhecidas, o chefe de operações do grupo paramilitar Wagner, Dmitri Utkin, aparece com cabeça raspada e olhar matador. Em suas duas clavículas, a mesma tatuagem: o símbolo da SS, a organização paramilitar a serviço do regime nazista de Adolf Hitler.

Este veterano de unidades especiais da inteligência militar russa viajava junto com o chefe do Wagner, Yevgueni Prigozhin, no avião que caiu na quarta-feira ao norte de Moscou.

Segundo fontes oficiais, não se sabe quase nada sobre este antigo oficial, apresentado em 2015-2016 pela mídia russa, inclusive estatal, como o “comandante” do Wagner. Na época, as autoridades negavam qualquer relação com o grupo, então ativo na Síria e na Ucrânia.

No entanto, as coisas ficaram um pouco mais claras em dezembro de 2016, quando ele foi convidado para uma recepção no Kremlin em homenagem aos “heróis” russos da guerra civil síria, da qual Moscou participa ao lado do regime de Bashar al Asad. Utkin chegou a ser fotografado com o presidente Vladimir Putin.

Nessa mesma época, sua ex-esposa Elena Shcherbina disse em uma entrevista ao site de notícias Gazeta.ru que estava tentando retomar contato com ele.

– Transição difícil –

De acordo com ela e uma investigação de abril do site dossier.center, Utkin, nascido em 1970, serviu nos anos 2000 na guerra dos militares russos contra os rebeldes independentistas chechenos e os jihadistas do Cáucaso Norte.

Ele deixou o exército em 2012 e fundou uma primeira empresa de segurança, aponta a investigação. Sua ex-esposa descreveu ao Gazeta.ru uma transição difícil.

“Ele teve muita dificuldade em se adaptar. Ficava muito incomodado por não lutar. Queria uma carreira militar, como oficial de combate, e não puir as calças em um quartel”, explicou.

Como ele conheceu Yevgueni Prigozhin e criou o que se tornaria o grupo Wagner por volta de 2014 é um mistério, mas o grupo ganhou esse nome por causa de seu codinome: “Wagner”.

Muitos veem nessa escolha mais uma evidência da simpatia de Utkin pelo nazismo, já que Hitler era um admirador do compositor alemão Richard Wagner e os homens do grupo paramilitar se autodenominam “os músicos”.

Utkin era responsável pelas operações do grupo, enquanto Prigozhin se encarregava da parte financeira e das relações com o governo russo, já que conhecia Putin desde o inícios dos anos 1990. Tudo era feito em absoluto sigilo.

Em apenas uma década, os dois homens e sua organização se tornaram tão famosos quanto misteriosos, atuando nas sombras e sendo acusados de todo tipo de abusos, torturas e execuções sumárias em lugares como República Centro-Africana, Líbia, Síria e Ucrânia.

A princípio, a ofensiva da Rússia contra a Ucrânia, lançada em fevereiro de 2022, não mudou nada.

Mas quando o exército russo se viu obrigado a se retirar do leste e do sul no outono (do hemisfério norte, primavera no Brasil) de 2022, Prigozhin virou uma figura pública, reconheceu a existência do Wagner e recrutou dezenas de milhares de prisioneiros.

O grupo liderou o ataque a Bakhmut, uma sangrenta batalha que durou um ano, e se consolidou como a mais eficaz força russa.

Uktin se manteve muito discreto, sem aparecer em vídeos, nem publicar no Telegram, ao contrário de Prigozhin, que até mesmo insultou publicamente a hierarquia militar.

– Morte “por culpa dos traidores” –

Isso não impediu que Utkin ganhasse o respeito de seus mercenários e, muito provavelmente, que participasse do motim fracassado de junho, quando o Wagner marchou rumo a Moscou exigindo as cabeças do chefe do estado-maior e do ministro da Defesa.

Nos memoriais improvisados na Rússia para os mortos no acidente aéreo de quarta-feira, seu rosto é tão proeminente quanto o de Prigozhin, e canais de Telegram relacionados ao grupo paramilitar tecem elogios a ele.

Alguns sugerem que foi assassinado e todos os olhares se voltam para o Kremlin desde a catástrofe, já que Putin qualificou os insurgentes de traidores.

“Dmitri Valerievich Utkin era um herói da Rússia, quatro vezes cavaleiro da Ordem da Coragem e conhecido em todo o mundo por seu nome de guerra, ‘Wagner'”, declarou no Telegram o canal Grey Zone, ligado ao grupo de milicianos, na noite de quarta-feira. “Morreu por culpa dos traidores da Rússia”, acrescentou.

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