É como um Uber, mas, em vez de carro, eles pedem equipamentos de pesquisa. As universidades estaduais paulistas estão investindo em plataformas online para facilitar o compartilhamento de instrumentos de laboratórios, como microscópios e tomógrafos, por pesquisadores de dentro ou de fora das instituições. O objetivo é evitar que esses instrumentos, caros, fiquem ociosos. Também é uma estratégia de criar novas receitas para, pelo menos, contribuir para a manutenção de laboratórios, principalmente no recente cenário de escassez de verba pública.

Quem primeiro criou seu “Uber de equipamentos” foi a Universidade de São Paulo (USP), seguida pela Estadual de Campinas (Unicamp). Agora, a Estadual Paulista (Unesp) pretende se juntar à plataforma uspiana. Segundo os pró-reitores de Pesquisa das instituições, além de colocar os instrumentos em operação “full time”, as plataformas podem servir para conectar cientistas e também estimular o diálogo com a indústria.

Na estante da USP Multi, lançada no fim do ano passado, estão equipamentos de áreas como Medicina e Engenharia. Assim como o passageiro em busca de um motorista, basta o cientista realizar um cadastro e uma pesquisa simples na plataforma. “Se você quer usar um microscópio eletrônico de varredura, a plataforma diz em qual instituto ele está acessível. A ideia é dar visibilidade”, exemplifica o pró-reitor de Pesquisa Sylvio Canuto.

A ferramenta foi criada para cumprir a regra de colocar disponíveis os instrumentos multiusuário, adquiridos com apoio de agências de fomento. No entanto, mesmo aqueles comprados com outros recursos, podem – e devem – entrar na plataforma.

O novo marco legal da Ciência, Tecnologia e Inovação, regulamentado em fevereiro do ano passado, prevê a possibilidade de que instituições de ciência e tecnologia compartilhem seus laboratórios com empresas mediante contrapartida financeira ou não financeira. No âmbito estadual, um decreto, de 2017, já havia regulamentado essa prática.

Internamente, as universidades estaduais paulistas têm estabelecido diretrizes para esse compartilhamento. Na USP, por exemplo, uma portaria de dezembro do ano passado definiu as normas para a criação e gestão dos laboratórios compartilhados. Na universidade, a atividade não deve ter fins lucrativos, mas cobrar valores que garantam os custos básicos para o funcionamento dos equipamentos. De entidades públicas, deverá ser cobrado valor inferior ao cobrado de entes privados

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Visibilidade

No Laboratório de Caracterização Tecnológica, vinculado à Escola Politécnica da USP, os equipamentos de ponta são utilizados por todos. O espaço de pesquisa já nasceu com a proposta do compartilhamento e a plataforma só ajuda a dar mais impulso a essa vocação. “Todo o setor, acadêmico ou não, vai saber que existe uma plataforma, onde pode buscar o que precisa. Não tem de entrar no site do laboratório”, diz a coordenadora da unidade, Carina Ulsen.

De acordo com a cientista, hoje um microtomógrafo do laboratório, que consegue “ver por dentro” de estruturas tridimensionais, é usado por pesquisadores do Instituto Butantã, da Biologia, da Engenharia e até por arqueólogos, que fazem análises de crânios encontrados em escavações. Pesquisadores ligados à indústria também podem utilizar os instrumentos ou enviar suas amostras – nesses casos, o preço de utilização é maior do que o cobrado de acadêmicos.

Além do dinheiro que entra, as universidades esperam, com isso, se conectar mais com demandas externas. “Acreditamos que torne mais capilar a interação com o setor empresarial”, diz o pró-reitor de Pesquisa da Unicamp, Munir Skaf.

Os recursos que vêm de fora, afirma ele, são para, pelo menos, ajudar na operação. Em um dos laboratórios de ponta da Unicamp, os valores cobrados da indústria podem ser quase o dobro dos praticados para acadêmicos. “Queremos manter os laboratórios bem equipados e com manutenção adequada. É bom para a universidade e é bom para a empresa.”

Otimização

Lançada neste ano, a plataforma da Unicamp tem pelo menos 300 equipamentos de grande e médio porte cadastrados. Quando o “empréstimo” é feito para pesquisadores de dentro da universidade, quem paga a conta não são os cientistas propriamente, mas o projeto de pesquisa ao qual ele está vinculado na universidade.

“Sai mais barato do que comprar o equipamento e mantê-lo rodando dentro do seu laboratório. Imagina ter um equipamento caríssimo e, do outro lado do câmpus, o mesmo, que faz a mesma coisa, sem que os dois estejam 100% utilizados?”, afirma Skaf.

Espera-se, ainda, que cientistas que trabalham com temas afins – mas em unidades diferentes – acabem se conectando ao fazer uso dos mesmos equipamentos. “O interesse em fazer a chamada ciência aberta é ter maior intercâmbio e diálogo, que fomente ideias complexas”, diz o pró-reitor de Pesquisa da Unesp, Carlos Graeff.

Nos próximos meses, a expectativa é de que os equipamentos da Unesp se juntem ao cardápio da plataforma da USP. Com isso, um pesquisador da Unesp de Araraquara, por exemplo, terá a oportunidade de utilizar laboratórios ou equipamentos da USP do câmpus em São Carlos, município vizinho.

Uso contínuo


O uso ininterrupto de equipamentos de laboratórios pode até ajudar a manter as máquinas em melhor estado, de acordo com especialistas. “Um equipamento que fica em uso constante, em geral, está sempre em melhores condições do que um que é usado esporadicamente”, diz Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Por regra, equipamentos financiados pela fundação paulista devem ser abertos à comunidade e cabe às universidades dar visibilidade a eles.

Para os pesquisadores, embora o compartilhamento ainda passe por entraves culturais, a comunidade acadêmica está mais aberta à colaboração. “Hoje, há tendência maior de associação por causa de problemas cada vez mais complexos. É necessário juntar esforços. Estamos vindo de uma geração que já entrou na universidade nessa toada de cooperação, multidisciplinaridade”, diz Carina Ulsen, da USP. Entre os desafios para permitir o compartilhamento estão manter equipe técnica capacitada e garantir boa gestão dos laboratórios.

No exterior

Nas universidades federais, também há iniciativas de compartilhar equipamentos. Modelos assim, porém, são mais comuns em outros países.

No Reino Unido, por exemplo, um site mantido pelo Conselho de Pesquisa em Ciências Físicas e Engenharia, uma organização de financiamento à pesquisa, reúne instrumentos não apenas de uma, mas de várias universidades.

Participam da plataforma equipamentos de instituições de ponta como Cambridge, Birmingham e Liverpool. Um sistema de busca permite encontrar itens em unidades mais próximas e informa os contatos de coordenadores dos laboratórios para fazer aluguel. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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