Universidades estão despreparadas para a reinvenção do trabalho com IA, diz guru indiano

Chefe de tecnologia da Tata Consultancy Services (TCS), o engenheiro indiano Harrick Vin entende que as escolas e as universidades estão com dificuldades para acompanhar as mudanças rápidas promovidas pela inteligência artificial no ambiente de trabalho, que levam à necessidade de requalificação do capital humano.

Para Vin, considerado um guru na Ásia das áreas de computação e transformação digital, o modelo de educação tradicional segue muito voltado aos hard skills – ou seja, à formação técnica comprovada por diplomas e certificados – quando as transformações em curso pedem mais soft skills – isto é, habilidades comportamentais e pensamento crítico.

Essa deficiência na formação de trabalhadores nas habilidades requeridas pelas novas tecnologias representa, na visão do especialista, uma preocupação maior do que o debate em torno da destruição de empregos pela inteligência artificial.

“Uma nova geração de empregos está sendo criada. Toda tecnologia torna certos empregos menos importantes, e alguns novos empregos mais importantes. Então, o que mais me preocupa não são necessariamente as perdas de emprego, mas sim a requalificação das pessoas”, comenta Vin. “Como garantimos que as pessoas estejam constantemente sendo requalificadas para se prepararem aos empregos de amanhã, e não necessariamente aos de ontem? Esse é, talvez, o maior desafio”, acrescenta.

Membro da Academia Nacional Indiana de Engenharia, Vin foi professor de ciências da computação na Universidade do Texas por 15 anos, antes de entrar, em julho de 2005, no grupo Tata, um conglomerado indiano cujos negócios vão da produção de automóveis, aço e produtos químicos a telecomunicações, redes de hotéis e lojas de aparelhos eletrônicos.

Há dois anos, ele ocupa o cargo de diretor de tecnologia – CTO na sigla em inglês – da TCS, o braço do grupo em consultoria, soluções de negócios e serviços de tecnologia da informação que ajuda clientes a se adaptarem aos novos tempos.

A empresários, autoridades e jornalistas brasileiros que estiveram em Mumbai para participação de um fórum do Lide, Vin apresentou durante a visita da comitiva ao campus da TCS sua visão sobre a era em que pessoas e máquinas trabalham lado a lado, cada um potencializando o outro. “Máquinas estão auxiliando e ampliando as capacidades das pessoas, melhorando sua produtividade e qualidade de decisões. Mas as pessoas também estão continuamente ampliando as capacidades das máquinas.”

Softwares mais inteligentes, desenvolvidos em prazos cada vez mais curtos, com potencial de dobrar a capacidade de produção humana a cada 12 ou 18 meses, devem provocar disrupções, e consequentemente a necessidade de reinvenção contínua em todas as indústrias e profissões.

“Neste mundo, as máquinas ficarão cada vez mais inteligentes diariamente. Assim, o papel das pessoas vai mudar fundamentalmente no dia a dia. O que eu fiz ontem provavelmente não é o que farei daqui a um mês ou três meses”, disse o diretor de tecnologia da TCS.

Nesse ambiente, apenas as organizações mais dinâmicas, aquelas capazes de adotar as novas práticas de trabalho com auxílio da tecnologia, vão sobreviver, apontou Vin. Assim, a cada um ou dois anos provavelmente será necessário reinventar-se.

Com a experiência de quem, como ele mesmo contou, foi professor por metade da vida, Vin avalia que os sistemas de educação tradicionais pressupõem que uma pessoa vai usar o conhecimento obtido na universidade por 20 ou 30 anos. Porém, as transformações tecnológicas vão demandar aprendizado contínuo, o chamado lifelong learning.

O papel dos profissionais, observou, passará de meramente executar funções para o de questionar, revisar e “treinar” as máquinas. A criatividade se tornará mais importante. “Na minha opinião, os soft skills habilidades sociais, no sentido de ter pensamento crítico, ser capaz de expressar opiniões e lidar com ambiguidades, vão se tornar muito mais importantes do que os hard skills habilidades técnicas”, afirmou. “O sistema educacional não está sempre preparando todos para isso, infelizmente. Eu continuo dizendo a todos os colegas acadêmicos que encontro que precisamos repensar porque as habilidades técnicas se tornarão obsoletas mais rapidamente”, acrescenta.

Segundo o diretor de tecnologia, em uma era de rápidas transformações, as empresas terão que pensar sobre o futuro de tudo, buscando antecipar as inovações, para sobreviverem. Citando como exemplos em sua apresentação ferramentas como ChatGPT e Copilot, Vin considerou que quase todas as inovações da primeira geração de inteligência artificial tem como objetivo oferecer informação e automação na ponta dos dedos, com foco em aumento de produtividade e redução de custos.

Essas novas ferramentas, avaliou, são interessantes, mas não tanto quanto o que está por vir nas próximas ondas de inovação, em que, em vez de automação de tarefas, as tecnologias serão mais centradas no empoderamento da capacidade humana. Isso permitirá que as pessoas possam ir além de suas capacidades e não serem substituídas por máquinas. Um gestor de patrimônio com dois anos de experiência, deu como exemplo, pode se tornar tão bom quanto um com dez anos de experiência.

“Assim, as máquinas podem de fato ser usadas efetivamente para ajudar as pessoas a tomar melhores decisões. Será como ter um gênio trabalhando como parceiro. Meu parceiro gênio pode me tornar um CTO melhor, um cientista melhor? Eu acho que a resposta é sim. E é isso que está chegando”, disse Vin.

*O repórter viajou a convite do Lide