Sebastião Arcanjo, presidente da Ponte Preta, chegou ao estádio Moisés Lucarelli, em Campinas, com uma camiseta cinza de tecido leve, por causa do calorão, e uma estampa chamativa. Dois punhos erguidos, um branco e um negro, o símbolo da Ponte Preta e a frase: primeira democracia racial do futebol brasileiro. O lema quer unir o presente e o passado. Tiãozinho, como é conhecido, é o único negro entre os 40 presidentes das Séries A e B do Campeonato Brasileiro. Paralelamente, o clube pede à Fifa que seja reconhecida como primeiro clube a escalar negros no País.

Para o presidente, essas duas pontas da história, seu mandato atual e a tentativa de inclusão dos negros nos primórdios do futebol, estão entrelaçados. “A Ponte Preta tem um histórico de inclusão. Essa ideia de integração está relacionada à minha chegada à presidência”, diz Tiãozinho, de 51 anos, que já foi diretor de futebol, diretor social e duas vezes vice-presidente do clube. Por outro lado, a ausência de dirigentes negros aponta o tamanho do desafio. “No futebol, o negro está limitado às quatro linhas”, define.

Esses dois pontos da história da Ponte estão separados por 119 anos, o tempo que o time levou para ter um presidente negro. “A abolição da escravidão foi determinada sem a plena incorporação do negro à sociedade”, argumenta José Moraes dos Santos Neto, professor de História na PUC de Campinas e ponte-pretano. “O negro ainda luta pela inserção plena”, diz.

O cientista social Marcel Tonini não se surpreende com a presença solitária de Tiãozinho no álbum de presidentes e afirma que quanto mais se sobe na hierarquia do futebol, mais “branco” ela fica. “Seguranças, roupeiros, massagistas e atletas vemos aos montes, mas presidentes de conselhos, diretores de futebol ou presidentes, não. Os negros, que são maioria na sociedade, são minoria quando se trata de representação política no poder no Brasil. No futebol, não seria diferente”, explica o especialista da Universidade de São Paulo (USP).

Tiãozinho conta que já foi confundido várias vezes com seguranças e manobristas. “Inúmeras vezes me entregaram a chave para que eu buscasse o carro na saída de um restaurante”, conta. Situações assim motivaram a militância e a política. Como vereador e deputado estadual pelo PT, ele foi autor da lei que instituiu 20 de novembro como feriado pelo Dia da Consciência Negra em Campinas. Hoje é filiado ao PC do B, mas deixou a carreira política e passou a atuar na iniciativa privada. Formado em Eletrotécnica, ele atua na área de Relações Institucionais e Governamentais do Grupo CPFL Energia.

Na Ponte Preta, Tiãozinho nomeou três negros como dirigentes – não havia nenhum na diretoria anterior. São eles: Marcos Antonio Ignácio da Silva, segundo diretor financeiro; Sérgio Acácio, diretor jurídico, e Moacir Pereira, diretor de Marketing. Ele também reconduziu ao cargo de vice-presidente Hélio Kazuo Ono Moruyama, de ascendência oriental. Por fim, Graziele de Andrade Reginaldo foi nomeada primeira-secretária. De acordo com o estatuto do clube, as nomeações foram aprovadas pelo Conselho Deliberativo da Ponte, presidido por Tagino Alves dos Santos, que também é negro.

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“A inclusão foi um critério, porque ela é necessária e atual”, justifica. “Minhas escolhas também levam em conta os currículos, mas o mito da meritocracia é insuficiente para promover a inclusão em um país marcado pelo racismo”, avalia o presidente, que assumiu após a renúncia de José Armando Abdalla, em novembro do ano passado.

A nova composição da diretoria gerou críticas dentro do próprio clube. “Juro que achava que a diretoria seria composta por ‘gente’”, escreveu um conselheiro nas redes sociais. Os diretores registraram um Boletim de Ocorrência e ele foi afastado temporariamente. O caso está sendo analisado pelo Conselho Deliberativo do clube, que pretende ouvir o dono da frase. Existem três caminhos: a manutenção, retirada ou a ampliação da suspensão, com a possibilidade de expulsão do conselheiro.


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