Em homenagem aos 100 anos da pintora Judith Lauand, nascida em Pontal (SP) em maio de 1922, o Museu de Arte de São Paulo (Masp) abre nesta sexta, 25, uma ampla retrospectiva de seu trabalho, que ocupa todo o primeiro andar com 124 obras (pinturas, desenhos) e documentos de seu arquivo pessoal. Com curadoria de Adriano Pedrosa, diretor artístico do museu, e Fernando Oliva, também curador do Masp, a mostra é a maior já dedicada à artista, única mulher integrante do histórico grupo Ruptura, que, nos anos 1950, reuniu artistas concretos de São Paulo liderados por Waldemar Cordeiro.

Embora afastada do circuito por causa da idade e problemas de saúde, Judith é uma artista cada vez mais disputada no mercado externo – além do interno, considerando que 95% das obras emprestadas para a mostra são oriundas de coleções particulares, segundo o curador Fernando Oliva. Marchande da pintora, Berenice Arvani confirma a posição de Judith no mercado, revelando a ascensão internacional da artista após duas exposições em Nova York na galeria Driscoll Babcock, do marchand John Driscoll, falecido na pandemia do coronavírus. Hoje, seus desenhos são vendidos por preços superiores a US$ 35 mil e as telas variam de R$ 300 mil a R$ 2 milhões.

Uma das pinturas de importância histórica exposta no Masp, Concreto 33, de 1956, pintada na emergência do movimento concreto brasileiro, foi doada pela família ao museu, que não tinha obras da artista em seu acervo, segundo o curador Oliva. A pintura é do ano da 1ª Exposição Nacional de Arte Concreta (1956), realizada no Museu de Arte Moderna de São Paulo, quatro anos após a chegada de Judith Lauand a São Paulo, em 1952.

Ao entrar na exposição, o visitante topa justamente com telas pintadas no período – e que evidenciam sua passagem da figuração para a abstração, como uma natureza-morta desse ano em que os objetos tomam a forma de círculos (os pratos), retângulos (as garrafas) e triângulos (a mesa). “Ela disse numa entrevista que, ao pintar essa natureza-morta, descobriu nela uma tela abstrata quando se distanciou”, conta o curador Oliva sobre a pintura, de 1952.

Um ano depois, a pintora, que teve sua formação inicial na Escola de Belas Artes da Araraquara, trabalhou como monitora na segunda edição da Bienal. Foi forte o impacto causado pelas obras de Paul Klee e Calder na mostra – é perceptível o cromatismo do suíço nas telas da pintora de 1953 e a fragmentação das formas movida pelo contato com as obras cubistas exibidas na 2ª Bienal.

BIENAL

Judith não conhecia as pinturas dos europeus ao vivo. Foi viajar apenas aos 76 anos, acompanhada pela irmã e as sobrinhas-netas Elissa e Patrícia. No entanto, sua inteligência visual a fez reconhecer logo cedo os concretos (Max Bill participou da primeira e foi jurado na segunda edição da Bienal). Depois, a proximidade com os poetas concretos levaria a artista a criar pinturas que se apropriaram da teoria de Décio Pignatari e dos irmãos Campos em obras das décadas de 1950 e 1960.

O curador aponta exemplos dessa influência, telas como Até a Morte (que joga com as palavras amor e morte) e Stop the War (contra a guerra do Vietnã), ambas de 1969. “São telas menos reproduzidas e que mostram o engajamento de Judith em questões políticas, indo além de sua participação no movimento concreto”, observa o curador Fernando Oliva.

RENOVAÇÃO

Por ser a única mulher no grupo Ruptura, Judith teve menor visibilidade que seus colegas (Geraldo de Barros, Sacilotto, Charoux), o que nem de longe tem algo a ver com qualidade. Ao contrário. Ela renovou a linguagem pictórica ao incorporar materiais industrializados como tachinhas, clipes e grampos às telas. Há na mostra exemplos dessas invenções que cruzam a fronteira da sintaxe concreta para conquistar uma nova dimensão espacial, até mesmo por meio do artesanal, caso de tapeçarias que se assemelham a pinturas.

Nesse particular, vale a pena visitar no mesmo museu a exposição da artista autodidata baiana Madalena Santos Reinbolt (1919-1977), que fazia “pintura com lã”, recorrendo ao universo da cultura popular para chegar à abstração por meio de figuras geométricas. A diferença é que o abstracionismo de Madalena é lírico, contra o qual se insurgiu o grupo Ruptura. Mas o concretismo pioneiro de Judith Lauand não se submeteu à defesa intransigente da racionalidade. Antes, admitiu um desvio de rota. Não esqueceu que uma composição rígida sem alma é quase nada. Trocou o reduzido vocabulário concreto pela subjetividade. Uma decisão acertada, como mostra a retrospectiva do Masp.

Judith Lauand:

Desvio Concreto

Masp. Avenida Paulista, 1.578, tel. 3149-5959. 3ª, 10h/22h, gratuito. 4ª/dom., 10h/18h. R$ 50/R$ 25.

Até 2/4/23.