Graças a suas andanças por Brasília, Jair Bolsonaro atingiu uma marca antes só alcançada por Pelé; foi citado pela imprensa do mundo inteiro, com direito a foto — aquela em que ele assoa o nariz na manga da camisa. Pena a imprensa não ter também destacado sua anterior experiência como atleta.

A visibilidade mundial de nosso presidente deve-se a ter ele se tornado o único chefe de Estado no mundo a descrer da gravidade da Covid19, deve-se à mudança de posição de Donald Trump no dia 17 de março, a sua recusa do distanciamento social como medida preventiva imediata e indispensável, e a sua crença sacrossanta num remédio usado no combate à malária. Até o momento em que escrevo, a eficácia desse remédio no combate ao coronavírus não é atestada por nenhuma instituição médica séria.

Semanas atrás, creio que na primeira quinzena de fevereiro, levei cacetadas homéricas quando publiquei no Facebook que o despreparo dos Estados Unidos para enfrentar a pandemia era simplesmente “espantoso”. Meus interlocutores não mediram adjetivos, acusando-me de só me basear em publicações de esquerda, desprovidas de credibilidade. Hoje, os EUA estão entre os países com o maior número de óbitos por Covid em todo o mundo. O fato é que Trump, ao invés de exortar os cidadãos a adotarem com urgência o confinamento domiciliar, mandava o sinal contrário, difundindo a teoria de que se tratava apenas de uma “gripezinha” passageira. Não tinha a mais remota ideia da situação do país no tocante a insumos básicos, como máscaras e kits para testes. E, por fim, o lado tragicômico da história: uma empresa americana especializada nessas tecnologias, que havia transferido suas operações para a China, foi proibida de exportar seus produtos. Mesmo o governo dos Estados Unidos teve de adquiri-los lá, a preços mais altos.

Fato é que nem Trump nem Bolsonaro conseguiram entender em tempo hábil uma história que cabe em três sentenças: 1) A propagação do coronavírus se dá através do contato entre indivíduos; 2) Quanto mais indivíduos entram em contato, na rua ou em aglomerações, maior a velocidade e a abrangência da contaminação; 3) Se a curva da propagação subir em grande velocidade, os serviços de saúde entrarão fatalmente em colapso. Imperativo, pois, achatar a curva, e isso só o distanciamento social pode fazer. A lentidão de Trump e o comportamento errático de Bolsonaro serão responsabilizadas por muitas vidas perdidas.

A lentidão de Donald Trump e o comportamento errático de Jair Bolsonaro serão responsabilizados por muitas vidas perdidas