A situação da pandemia na Europa voltou a se agravar, com a disseminação exponencial do vírus e um crescente número de mortos. Diante de uma nova explosão de contágios, os governos da França e da Alemanha decretaram, quarta-feira 28, novos lockdowns com começo imediato, aumentando as restrições de circulação e fechando o comércio até o início de dezembro. Na França, funcionarão apenas serviços essenciais, como supermercados e farmácias e as pessoas só poderão sair de casa por uma hora para compras indispensáveis, atendimento médico ou atividade física. Fora isso, precisarão de uma autorização por escrito. As escolas, diferentemente do primeiro lockdown, continuarão funcionando. Na Alemanha, a chanceler Angela Merkel anunciou a proibição da presença de público em eventos esportivos e pediu aos cidadãos que mantenham o mínimo possível de contatos sociais. Há o temor de que o endurecimento das restrições provoque um aumento dos distúrbios sociais em alguns países, como vem acontecendo na França, na Itália e na Espanha, onde o nível de tensão é bastante alto.

Em Barcelona, manifestantes protestaram dois dias seguidos contra o toque de recolher na cidade: “Sim à liberdade e não à ditadura sanitária” (Crédito:Albert Llop/NurPhoto)

A segunda onda já é inquestionável e a aproximação do inverno no Hemisfério Norte torna a situação mais preocupante. O presidente francês, Emmanuel Macron, declarou que está convicto de que a segunda onda será mais dura e mortal do que a primeira. Na semana passada, um novo recorde de contágios e mortes foi batido no mundo. Foram registrados mais 500 mil casos da doença e sete mil óbitos. Em vários países, a média diária de casos fatais está voltando aos mesmos níveis de maio e junho. Na França, a média subiu para 248 mortes, no Reino Unido, para 217, na Espanha, para 158, na Itália, para 154, e na Alemanha, para 51. A sensação de perda de controle sobre a doença é latente e os governos tentam impor o isolamento. O problema é que o inconformismo de setores da população com as restrições está se tornando maior do que o medo do contágio pelo coronavírus.

Perda de liberdade

Com a segunda onda, na esteira da estagnação econômica, as revoltas populares tendem a se multiplicar. Na França, a reação às medidas restritivas tem sido negativa, em especial em Paris e nas cidades do Sul. Já surgem gritos de que a obediência irrestrita ao ditames sanitários é uma espécie de opressão. Em várias regiões francesas havia um clima de inquietude nas últimas semanas. Em Marselha, segunda maior cidade do país, empresários estimulavam a desobediência civil e a população passou a desrespeitar a quarentena. Aqueles que estavam insatisfeitos antes do lockdown e da volta do toque de recolher, tendem a ficar ainda mais incomodados.

PARIS Franceses protestam contra as restrições na pandemia: insatisfação com o lockdown tende a aumentar nas grandes cidades

Para os franceses, povo que preza pela liberdade pessoal, o controle parece uma afronta. Donos de restaurantes contestam as razões do toque de recolher e alegam que estão adotando as medidas para conter a Covid-19. Teme-se que se repita uma mobilização como a da greve de 2019 ou o movimento dos Coletes Amarelos iniciado em 2018. O setor cultural é um dos mais afetados pelo isolamento. Artistas protestaram nas escadarias da Ópera da Bastilha, dia 17. “O toque de recolher é uma catástrofe para atores, técnicos, cenógrafos e, sobretudo, para os teatros”, diz Isabelle Rougerie, atriz que participou da manifestação.

Na Espanha, na segunda-feira 26, manifestantes saíram às ruas de Barcelona para protestar pelo segundo dia consecutivo contra o toque de recolher na cidade. Negacionistas e jovens ativistas queimaram latas de lixo de criaram tumultos com a polícia. As palavras de ordem eram “Sim à liberdade e não à ditadura sanitária”. O governo italiano também endureceu as medidas restritivas de circulação e está enfrentando reação popular. Na Itália, em Turim, manifestantes entraram em confronto com a tropa de choque da polícia na Praça Castello, durante um protesto contra o toque de recolher e o fechamento de restaurantes e bares. A brasileira Maria da Penha dos Santos, 53, mediadora lingüístico-cultural, que mora a vinte anos na região de Veneza, afirma que a cidade está vazia. “Parece uma cidade fantasma”, diz. Além disso, quem for pego andando pelas ruas sem máscara, terá que pagar uma multa equivalente a R$ 270 reais.

O governo adotou uma pseudo quarentena, na qual todos os comércios devem ser fechados às 18 horas. Apesar da percepção de retorno da Covid-19, há manifestações de repúdio contra as medidas de fechamento. Como na França, a classe artística italiana também afirma enfrentar imensas dificuldades financeiras impostas pela “quarentena”. Por isso, marcou manifestações de rua para 30 de outubro, em todas as regiões do país. “Os artistas são a classe que mais está sofrendo”, diz Penha. Ela afirma que o governo não está fornecendo nenhuma ajuda financeira. Nos cartazes espalhados pelas redes sociais há dois lemas principais que juntam arte, quarentena e protesto contra o governo: “Ausência Espetacular” e “Você nos fecha, você nos paga”. Tudo indica que a insatisfação com o lockdown vai crescer muito daqui para frente.

Colaborou: Fernando Lavieri