O que até pouco tempo parecia ser um problema social insolúvel finalmente começa a ser resolvido. Ao menos em parte. Programas de atendimento a moradores de rua adotados por cidades como São Paulo, Curitiba e Porto Alegre estão trazendo novas perspectivas de vida a uma população hoje estimada em mais de 100 mil pessoas pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Gente que passou décadas no isolamento e sobrevivendo de esmolas, aos poucos começa a trabalhar e até colocar filhos em escolas públicas. Outros ganham ajuda para viver em condições minimamente dignas enquanto buscam formar de se estabilizar social e profissionalmente.

Na capital paulista, a dinâmica dos abrigos mudou radicalmente desde maio passado, quando os novos Centros Temporários de Acolhimento (CTAs) foram abertos. Além de oferecerem cama, alimento e lavanderia para quem vai passar a noite, agora há salas de informática, cursos profissionalizantes e aulas de adaptação social. O resultado é animador. “Minha situação não era boa, só que eu não sabia”, diz Sara Patrícia, de 47 anos. Soropositiva e vivendo em uma praça da região central da cidade há 14 anos, ela chegou a um CTA debilitada, deprimida e sem conseguir se locomover sozinha. Quatro meses depois, Sara recuperou peso e voltou a andar. Sem contato com a família, ela segue morando no abrigo mantido pela prefeitura e administrado por uma organização social. Uma das razões que a mantém por lá é não ter de abrir mão da companhia de seus inseparáveis animais de estimação. Hoje há canis em oito dos 17 CTAs de São Paulo. Eles contam também com estacionamentos para carrocinhas de catadores – instalações que servem de estímulo para quem antes não queria procurar abrigo.

MELHORES AMIGOS Sara só aceitou deixar a rua quando descobriu que podia levar seus labradores (Crédito: Keiny Andrade)

Mais de 1,6 mil empregos

As vagas ainda são insuficientes. A população de rua da maior cidade do Brasil é estimada em 25 mil pessoas e apenas 18 mil pessoas em situação de risco podem ser abrigadas, 3,3 mil em CTAs. Mesmo que não possa atender a todos, a iniciativa tem o mérito de atrair quem precisa. Consumidora de crack mesmo durante a gravidez, Débora Pambu dos Santos, de 31 anos, viveu sob um viaduto em São Paulo durante mais de uma década. Condenada por tráfico aos 18 anos, ela caiu de vez nas drogas pesadas ao sair da prisão e descobrir que sua mãe havia casado de novo e migrado para a Europa com os irmãos. Residente fixa no único CTA que atende famílias, no bairro Bela Vista, ela dorme com o filho de 4 anos em um dos quartos, vende doces nas esquinas e almeja economizar para encontrar a mãe. “Meu filho está bem e não me falta quase nada”, diz ela. “Antes as pessoas desistiam dos programas. Hoje tem gente que sai empregado”, afirma o secretário municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, Filipe Sabará. No último ano, convênios da prefeitura com a iniciativa privada geraram mais de 1,6 mil empregos para antigos moradores de rua.

Em Curitiba, desde novembro os trabalhos domésticos são divididos entre os moradores das duas casas ocupadas por quem já está em vias de arranjar trabalho e criar autonomia. Na capital paranaense, assistentes sociais acompanham tudo de perto. Nos primeiros três meses, a prefeitura arca com as despesas de alimentação e produtos de limpeza. Depois, só paga água e luz. É uma maneira de estimular a independência dos moradores de rua, 80% dos quais são homens adultos. Em São Paulo, quem já conseguiu sair dos centros pode requerer uma locação social, que cobre parte do aluguel. É para onde quer ir Alexandre Petrim, de 27 anos. Vindo do interior, ele teve problemas familiares e um histórico de abuso de álcool e drogas iniciado aos 14 anos. Flanelinha, ficou desabrigado após uma de suas internações. Fumante inveterado, garante estar sem usar drogas há mais de um ano. Após ter feito curso de encanador e um treinamento para aprender a controlar melhor suas emoções, ele aguarda ser chamado para trabalhar. “Quero me segurar por uns dois meses para comprar roupas. Até voltei a ler”, diz.

ABORDAGEM Atendimento em Curitiba acompanha morador desde a rua até depois de conseguir trabalho (Crédito:Ricardo Marajó)

Quem já está encaminhado é Felipe de Paula Assis, de 22 anos. Desde dezembro ele é monitor em um CTA masculino na Barra Funda. Deprimido e rompido com a família, ele passou um mês usando drogas e vivendo na Praça da Sé. Com ensino médio completo e fluente em inglês, ao chegar a um abrigo, logo começou a ajudar os funcionários com os recém-chegados. Recuperado, entrou para a equipe de acolhimento enquanto um tio o ajudou a alugar um imóvel.