PÁRIA O chanceler brasileiro Ernesto Araújo em encontro da OEA, em Washington, em 2020: sem diálogo com os chineses (Crédito:MANDEL NGAN)

A pandemia mostrou na prática para a população o resultado da antidiplomacia praticada pelo governo Bolsonaro. Depois de dois anos de agressões à China, o Brasil descobriu que dependia do país para a importação de insumos essenciais à fabricação das duas únicas vacinas aprovadas pela Anvisa. Mas a dependência da economia brasileira ao gigante asiático é muito maior. A China é o principal parceiro comercial do Brasil desde 2009, absorvendo mais de 30% das exportações. Esse volume é mais do que o dobro do comércio com os EUA. Apenas na pandemia, as transações cresceram 13%.

A China é atualmente o motor do crescimento mundial. Além disso, cada vez mais se firma como polo de inovação e desenvolvimento de novas tecnologias. O varejo, por exemplo, copia as experiências chinesas na fusão de e-commerce com redes sociais e no uso de pagamentos digitais. Esse sucesso tem servido de guia para todas as grandes economias. A maior projeção internacional tem feito a China enfrentar uma oposição cada vez maior dos EUA, que temem perder a hegemonia mundial. Por isso, Donald Trump intensificou a guerra comercial com o país. Isso não vai mudar com Joe Biden. O novo presidente americano já deixou claro que a disputa vai continuar, mas com uma estratégia diferente, buscando uma ação conjunta com aliados históricos da Europa. Para o Brasil, naturalmente, manter-se neutro nessa disputa seria a atitude mais sensata. É o que o Itamaraty sempre preconizou. Mas essa doutrina não é seguida pelo governo Bolsonaro, que copiou os ataques de Trump. Isso terá um custo.

Ataques ao país

As principais investidas foram disparadas por Eduardo Bolsonaro e pelo ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, que usou os personagens da turma da Mônica para debochar da forma como os chineses se expressam. Por isso, responde a um inquérito no STF. O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, cuja função é exatamente facilitar o diálogo com as nações parceiras, não ficou atrás e apelidou o novo coronavírus de “comunavírus”. O embaixador chinês no Brasil, Yang Wanming, protestou contra os ataques. Como resposta, o governo Bolsonaro piorou ainda mais a situação. Tentou forçar a China a trocar seu embaixador, ignorando a tradição diplomática. O amadorismo congelou o diálogo entre os países. A consequência foi vista na crise das vacinas. “O que preocupa as autoridades chinesas é o fato de que essas ofensas partem de pessoas que estão dentro do governo brasileiro. Eles não sabem até que ponto isso é uma visão da atual gestão ou se são falas independentes”, afirma Maurício Santoro, professor-adjunto de Relações Internacionais da UERJ.

Para agradar Trump, Bolsonaro tentou excluir a empresa chinesa Huawei, líder mundial no 5G, do leilão que deverá inaugurar essa tecnologia no País. Isso deve mudar a partir de agora, já que finalmente o governo se deu conta de que precisa do apoio do gigante asiático. Mas precisará evitar que esse escorregão atinja a principal força da economia brasileira no momento: o agronegócio, responsável pelo grosso das exportações brasileiras. A pauta de exportações para a China é essencialmente ligada às commodities: soja, minério de ferro e petróleo. No caminho inverso, o Brasil importa principalmente plataformas de perfuração, peças de celulares e de televisores. Ainda que os números sejam positivos para o Brasil, a piora na relação política entre as nações já despertou no país asiático o desejo de encontrar novos parceiros estratégicos. Para isso, tem investido no continente africano para produzir alimentos. No ano passado, o gigante asiático tornou-se o maior parceiro comercial da União Europeia, ultrapassando pela primeira vez os EUA. Por isso, em dezembro passado, os europeus fecharam um inédito acordo para ampliar os negócios com o país, driblando a pressão dos EUA. É esse pragmatismo que o Brasil deveria cultivar.

Se o governo Bolsonaro não reverter a indisposição com os chineses, o risco é enfrentar o mesmo destino da Austrália, que teve as relações comerciais praticamente rompidas. Nesse caso, os chineses anteciparam a ruptura por sinais diplomáticos de insatisfação. O Brasil ainda não atingiu esse ponto. O vice Hamilton Mourão e a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, têm pregado a boa relação com os chineses. Flávio Viana Rocha, secretário para Assuntos Estratégicos do Planalto, também tem assumido parte da interlocução. As negociações para a participação da Huawei no leilão do 5G são conduzidas pelo ministro das Comunicações, Fábio Faria. Empresas e outras autoridades também se esforçam para manter os canais de negociação. É o caso do governador João Doria, que abriu um escritório do governo paulista em Xangai — o que viabilizou a vacina Coronavac. Para os analistas, as autoridades brasileiras precisam rever os ataques aos chineses. Bolsonaro terá uma chance de recomeçar do zero sua desastrada diplomacia com o anunciado encontro de cúpula para discutir a Amazônia, em 22 de abril, anunciado por Joe Biden. Precisará desfazer o mal estar causado por sua defesa de Trump e pelos ataques desferidos ao democrata. No caso da China, os principais riscos para o Brasil são retaliações às exportações, perda de investimentos ou novas dificuldades no acesso a vacinas e insumos médicos. Pelo histórico de Bolsonaro, esses riscos são enormes.

Colaborou Guilherme Henrique