Rupi Kaur diz que escreve para entender as complicações e as belezas da vida. A escritora, de 28 anos, é um fenômeno da poesia com 4 milhões de seguidores no Instagram e mais de oito milhões de livros vendidos e traduzidos para 20 idiomas. Para Rupi, que nasceu na Índia e vive no Canadá desde pequena, um poema é feito para criar – e para ser compartilhado, sentido, vivido.

A escritora teria vindo a o Brasil, onde já vendeu mais de 500 mil livros, se não fosse a pandemia. “Não vejo a hora de tudo isso acabar e eu poder visitar o país e me apresentar para meus leitores brasileiros. Eles são, de verdade, os mais doces, gentis e apaixonados. Fazem com que me sinta parte da família”, disse a escritora ao Estadão. Seus fãs terão a chance de vê-la nesta sexta, 30, na transmissão mundial de uma apresentação que ela gravou em fevereiro do ano passado. Um evento nos mesmos moldes do que ela costumava fazer ao vivo, com poemas e histórias pessoais.

Revelada com outros jeitos de usar a boca, livro publicado de forma independente e depois por grandes editoras – aqui, ela é editada pela Planeta -, ela lança agora sua terceira coletânea: meu corpo, minha casa. No meio dos dois está o que o sol faz com as flores. Todos com ilustrações dela. Confira trechos da entrevista concedida por e-mail.

Escrever nas redes sociais tem a ver com se conectar com as pessoas, tem a ver com compartilhar. Neste contexto, para que serve um poema?

Um poema é feito para criar. Para ser compartilhado. Para ser sentido. Para ser vivido. Digo com frequência que escrevo para uma versão mais jovem de mim mesma. Aquilo que a minha versão de 15 anos precisava escutar. Palavras que lhe dissessem ‘oi, querida, sei que a coisa está difícil agora, mas vamos ficar bem’. Escrevo como uma maneira de compartilhar experiências e vida. A poesia toma muitas formas. Cresci em meio à poesia. Venho de uma comunidade sikh onde a poesia é quase parte da nossa natureza. Nascemos nela. Nossos nomes vêm da poesia.

Nossas escrituras são versos poéticos. Quando eu era pequena, meu pai reunia a família e conversávamos longamente sobre ela. Antes de começar a postar poemas, eu me apresentava no palco. E, depois, passei finalmente a postar alguns dos meus trabalhos. E, a partir disso, uma comunidade se formou. E, assim como o palco inicia uma conversa e um ritmo, a poesia nas redes sociais me permitiu formar uma comunidade mundial que compartilha e se conecta por meio das experiências que temos.

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De onde vem um poema? Para você, a escrita poética vem de inspiração ou é algo trabalhado e retrabalhado até ficar pronto?

Sabe quando você fica ansiosa, e parece que tem algo borbulhando dentro de você? É uma sensação pesada, que pressiona um pouco seu estômago. Por exemplo, se fico três dias sem escrever, esta sensação se expande até o meu pescoço e parece que está sendo expelida de mim. Começo a me sentir fraca e meu corpo tem uma reação verdadeiramente física. É a maneira de meu corpo me dizer: ‘você precisa escrever, você precisa se sentar e tirar isso de dentro, porque se você não o fizer, isso vai apodrecer dentro de você’. Então sento e escrevo. Às vezes com um papel e uma caneta. Mas, quando a sensação é mais forte, abro um documento no computador e vou adiante. Alguns poemas são apenas uma linha, outros têm páginas e mais páginas. Não se trata de editar; trata-se de botar tudo pra fora. E, quando me sinto vazia outra vez, eu paro. É uma experiência muito emocional.

Há algumas questões presentes em seus livros, tais como ser mulher, os abusos, autoconhecimento e aceitação, a experiência de ser estrangeiro, depressão, ansiedade, corpo, mente, a busca por um lugar no mundo (ou por sentir-se confortável na própria pele/no próprio corpo). Esses temas são questões pessoais? Se sim, como a literatura a ajuda a lidar com isso? E como espera que isso ecoe em seus leitores?

São histórias reais. Minhas ou vindas de conversas que tive com as mulheres à minha volta. As mulheres que encontrei na minha vida. Amigas, irmãs, primas, tias. Isso ocorreu naturalmente. Os tópicos vieram a mim, e era meu dever escrever a respeito deles. Eram essas as questões que me emocionavam. Eu precisava trabalhar por meio da complexidade delas e fiz isso com a minha linguagem. Por meio das ilustrações, eu tentei suavizar a experiência enquanto inseria o leitor na obra com mais profundidade. Sempre será uma responsabilidade minha continuar a falar sobre a mulher, sobre suas histórias e suas narrativas por meio do meu trabalho.

Você sugere, em um poema, que o leitor/leitora procure as mulheres ao seu redor que têm menos espaço, que as ouça e coloque em prática o que elas dizem. Em outro, escreve que, juntas, as mulheres são mais fortes. O que significa ser feminista para você?

Ser feminista significa ajudar todos os oprimidos. Estar nas intersecções. Enaltecer as pessoas não brancas, as comunidades marginalizadas. Pessoas que falam línguas diferentes, refugiados ou imigrantes. Pessoas que são marginalizadas por causa de sua casta ou classe socioeconômica. Eu poderia continuar infinitamente. Mas ser feminista significa não se calar. É dar-se conta de que todas as pessoas merecem a igualdade e reconhecer que a história do mundo se deu em estruturas patriarcais de poder. É dar voz a comunidades que estão sendo esmagadas por grandes potências. Significa escutar. Significa olhar para mim mesma no espelho todos os dias e me perguntar como posso fazer mais, como posso ser melhor. Significa aceitar que não sou perfeita, e que não é uma questão de ser perfeita em nenhum sentido. Trata-se de aprender e crescer todos os dias. E de estar em contato o outro.

O que esta pandemia te mostrou? Ela deixa alguma lição?

Acho que este ano de pandemia evidenciou as vastas desigualdades que existem no planeta. E o mundo fracassou esplendidamente em conseguir ajudar as pessoas mais vulneráveis. Estamos vendo isso agora. O mês de abril está terminando e, enquanto países desenvolvidos estão vacinando prontamente suas populações, vemos uma crise descontrolada em lugares como Índia e Brasil. Em novembro, agricultores da minha comunidade no Punjab começaram a protestar contra um plano do governo de, essencialmente, entregar o setor agrícola do país a capitalistas bilionários, seus apadrinhados. Rapidamente os protestos aumentaram de tamanho e milhões se juntaram para marchar até a capital, Nova Délhi. E eles ainda estão lá, quase seis meses depois! Resistem em oposição coletiva contra um regime fascista, que os atacou, torturou e difamou. E, por todo o mundo, as pessoas viram sua bravura e apoiaram sua luta. Vi minha própria comunidade se unir e resistir. Em meio aos horrores dos últimos anos, essas lindas demonstrações de solidariedade me inspiraram.

Você imaginou que chegaria a vender 8 milhões de livros no mundo? Como avalia sua carreira e como é ser porta-voz de uma geração? E o que gostaria de dizer aos seus leitores?

Eu diria o seguinte: você é mais poderoso do que imagina. Você tem o mundo inteiro dentro de você esperando para ser explorado, e tem que ser você a explorá-lo. Se essa jornada me ensinou uma coisa, foi que com trabalho duro o suficiente e dedicação você consegue, honestamente, honestamente, conquistar qualquer objetivo. Então, o que você quer conquistar?

MEU CORPO MINHA CASA


Autora: Rupi Kaur

Trad.: Ana Guadalupe

Editora: Planeta (192 págs.,R$ 39,90; R$ 31,90 o e-book)

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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