Consagrado universalmente durante o período industrial, o café passou por uma transformação cultural e gastronômica através dos anos. Beber café virou um ato social tão valorizado que hoje a escolha de determinado blend da bebida traduz quem tem ou não um paladar sofisticado.

“O movimento econômico que acontece com a maioria dos produtos após o consumo em massa gera um momento de requinte e faz surgir novos mercados”, afirma o consultor Ensei Neto, um dos maiores especialistas em café do país. Hoje qualquer um pode tomar um pingado por R$ 3, mas também é possível pagar até R$ 40 em uma bebida especial como aquela em que a fruta passa por processos extremamente complexos antes de ser levada para a torra. A única certeza nesse mercado é que o segmento do café especial é uma realidade e veio para ficar. As cafeterias, locais que caíram no gosto do público e onde esse tipo de produto era geralmente consumido antes da pandemia, sofreram com o cenário. A boa notícia, porém, é que o hábito se transferiu para o home office: a procura pela bebida aumentou 35%.

Café Especial ou Café de Especialidade é o nome dado para as bebidas que possuem um selo oficial de qualidade. O termo vem do inglês Speciality Coffee e designa a bebida que obtém a classificação de 80 pontos ou mais em uma escala de 100 da “Metodologia SCAA” (Specialty Coffee Association of America) de avaliação sensorial. Se os sommeliers precisam de formação para avaliar corretamente um bom vinho, o mesmo acontece com o café. Apenas degustadores certificados pela SCAA ou por um Q-Grader licenciado pelo Coffee Quality Institute (CQI) podem fazer a pontuação. Apesar dos termos em inglês, os cursos são oferecidos no País, inclusive online.

Apesar das cafeterias fechadas, o hábito não sofreu durante a pandemia: com o home office, o consumo de café aumentou cerca de 35%

EM ALTA Cafés sofisticados: uma xícara de um blend especial pode chegar a R$ 40

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A associação americana começou somente em 1982 a da parâmetros à qualidade das bebidas. Como explica a barista e mestre de torra, Isabela Raposeiras, essa preocupação com o café é muito recente. “Na história da humanidade o café é uma das bebidas mais jovens. Para se ter uma ideia, vinho, cerveja, destilados e chá são milenares. Já o café possui apenas 500 anos de história dentro do consumo que conhecemos hoje: a bebida, a infusão, a torra”, afirma Isabela. Para ela, o interesse pela gourmetização da bebida é recente. “O café é uma bebida complexa que sempre esteve presente na mesa do brasileiro. As novidades do mercado chamam a atenção do público”, diz ela, que, durante o período de isolamento social, colocou todas as suas forças nos cursos voltados para a formação de profissionais e entusiastas na área. “O café possui mais de mil compostos aromáticos, enquanto o vinho tem de 600 a 800, assim como o chocolate. Ou seja, o café é hoje a bebida popular aromaticamente mais complexa que existe”

MESTRE Isabela Raposeiras: bebida complexa com mais de mil compostos aromáticos (Crédito:Divulgação)

Para o empresário Diego Gonzales, responsável pela rede de franquias Sofá Café, o consumo da bebida passou por diversas fases. Inicialmente, não havia preocupação com a qualidade. “Foi somente após a Segunda Guerra que se começou a olhar com mais seriedade para o café. Em seguida, veio o Café Especial”. Gonzales possui seis franquias no país, uma delas dentro do escritório do Google em São Paulo. “Eu só fechei uma loja nos EUA. No Brasil, eu consegui segurar tudo, inclusive funcionários”, diz ele, que faturava cerca de R$ 1 milhão por ano antes da pandemia. Em público ou em casa, o brasileiro não vai abandonar a bebida mais exportada e a segunda mais consumida do País – o café perde apenas para a água.