Muita coisa se passou na cabeça do engenheiro naval Jonathan Toebbe e da sua mulher, a professora de ciências do ensino médio Diana Toebbe, antes de decidirem vender segredos sobre a construção e manutenção de submarinos nucleares ao Brasil. A mercadoria que Jonathan tinha em mãos, coletada através de anos trabalhando para a marinha dos Estados Unidos, não poderia ser vendida para qualquer um. Apesar de traírem a própria pátria, o casal tinha a preocupação de escolher uma nação que não fosse uma inimiga declarada de seu país e que também tivesse dinheiro e o interesse em adquirir o material. O Brasil, conhecido por possuir, desde 1979, o Programa Nuclear da Marinha (PNM), com “o propósito de dominar o ciclo do combustível nuclear e desenvolver e construir uma planta nuclear de geração de energia elétrica”, foi o país escolhido pelos espiões porque jamais usaria a força contra os Estados Unidos. Além disso, o Brasil estava ávido por fechar uma parceria estratégica para avançar com seu programa, já que, para conseguir construir o próprio submarino de propulsão nuclear, precisava de combustível e transferência de inteligência. As conversas diplomáticas com o governo norte-americano para que isso acontecesse, porém, estavam paralisadas desde 2018.

Ou seja, as mais de 11 mil páginas revelando detalhes sobre como construir reatores nucleares silenciosos e submarinos de ponta poderiam avançar os planos da Marinha do Brasil. Porém, quando Jonathan Toebbe abordou representantes do governo brasileiro, em abril de 2020, o Brasil decidiu contactar o FBI, a polícia federal norte-americana. Após segurar a oferta por quase nove meses, o risco de ser pego roubando segredos de um aliado tão importante falou mais alto. O governo Bolsonaro tinha o então presidente Donald Trump como seu principal amigo internacional. O casal acabou sendo preso em outubro do ano passado, mas os detalhes de toda a trapalhada foram aparecendo aos poucos, por meio das audiências judiciais dos Toebbe, que devem pegar penas de até 20 anos pelos crimes de espionagem. A revelação de que a nação envolvida era o Brasil, por exemplo, aconteceu apenas na quarta-feira, 16, o que gerou espanto da comunidade internacional. Segundo informações obtidas pelo jornal The New York Times, o Brasil havia pedido que o nome do país não fosse revelado. O escândalo, mesmo o País tendo contactado as autoridades americanas, poderia afetar décadas de trabalho por parte das forças armadas brasileiras.

O que levou um engenheiro de classe média e sua esposa a venderem segredos tão caros e estratégicos para os Estados Unidos? Moradores da cidade de Annapolis, capital do estado de Maryland, os Toebbe são pais de dois filhos adolescentes e estavam longe de enfrentar algum problema financeiro. Ao pedirem o equivalente a US$ 5 milhões em criptomoedas, o que parece ter motivado de fato os dois, segundo mensagens trocadas entre eles antes do contato com o Brasil e reveladas em tribunal, seria o descontentamento com o governo de Trump e sua possível vitória para um segundo mandato. “Não é moralmente defensável. Nós tentamos nos convencer de que está tudo bem, mas não está”, pondera o marido sobre a decisão de vender os segredos. Diana teria então respondido: “Não tenho nenhum problema com nada disso. Não sinto lealdade a coisas abstratas”.

Em posse da proposta do casal, um agente do FBI começou a negociar com os Toebbe se passando por um representante do governo brasileiro. Através de mensagens criptografadas de um programa de e-mail, as duas partes passaram meses conversando. Antes de entregar as informações, Jonathan chegou a pedir uma garantia ao agente disfarçado de que realmente estaria falando com um representante do Brasil. Para comprovar isso, foi colocada uma senha no prédio da embaixada brasileira em Washington, para enganar o casal. Confiante, a dupla começou a liberar dados em cartões de memórias escondidos em lugares inusitados. Antes da prisão, três entregas foram feitas em locais secretos: uma delas foi entregue em um sanduíche de pasta de amendoim, outra em uma embalagem de curativos e a última em uma caixa de chicletes. O fato de combinarem uma troca física de informações, em vez de apenas digital, foi o calcanhar de Aquiles do plano. Os dois acabaram identificados e presos.

Negócio da Rússia

TECNOLOGIA Brasil busca soluções para levar projeto de submarino nuclear adiante (Crédito:Divulgação)

Previsto para ser entregue até o final da década, o Submarino Convencional de Propulsão Nuclear (SCPN) Álvaro Alberto é um dos maiores avanços tecnológicos do País. Seu principal objetivo? Servir como arma de dissuasão em potenciais conflitos internacionais. Sem a ajuda dos EUA e para não atrasar o cronograma, o presidente Jair Bolsonaro pediu apoio pessoalmente a Vladimir Putin em sua última viagem ao país. Com o conflito na Ucrânia, a possibilidade de receber da Rússia esse tipo de tecnologia fica mais difícil e coloca em risco o futuro de todo o Projeto de Submarinos (Prosub), firmado em 2008 com a ajuda da França.