Encurralado pelas investigações no STF e sem realizações para apresentar, o presidente apela para ações populistas e investe na publicidade para reverter a imagem negativa do governo. A nova estratégia inclui inaugurações pelo País, afagos ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal (STF) e menos ataques à imprensa. Para aumentar a exposição, a Secretaria de Comunicação (Secom) quer dobrar os gastos em propaganda. A verba prevista agora é de R$ 325 milhões. A ideia é utilizar R$ 200 milhões em publicidade em veículos regionais, menos críticos ao presidente, e R$ 60 milhões em mídia no exterior. Fábio Faria, ministro da recém-criada pasta das Comunicações, também pretende recriar a TV Brasil Internacional. Quer tornar o conteúdo disponível pelo serviço de streaming. O primeiro problema para o plano oficial, já ensinam os manuais de comunicação, é que credibilidade não se compra. Não adianta a equipe do governo tentar fabricar pautas positivas enquanto o mandatário estimula a discórdia com outros países, critica organismos multilaterais, ataca a defesa ambiental e renega os esforços da comunidade internacional para frear a pandemia. O País está sem ministro da Saúde há dois meses. Não há campanha mágica que reverta essa propaganda negativa.

Por meio de um populismo rasteiro, Bolsonaro recorre a um truque que foi muito utilizado pelos petistas: a marquetagem política

NOVA AGENDA O novo ministro das Comunicações, Fábio Faria: menos conflitos com a imprensa e TV Brasil Internacional para melhorar a imagem externa do governo Bolsonaro (Crédito:Marcos Correa)

Por meio de um populismo rasteiro, Bolsonaro está recorrendo a um truque que foi amplamente utilizado pelos governos petistas: a marquetagem política. E faz isso usando vários símbolos dos próprios governos do PT. O ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, vai substituir o programa Minha Casa, Minha Vida, que tantos dividendos políticos rendeu a Lula e a Dilma Rousseff, pelo programa Casa Verde Amarela. O novo plano habitacional deve ser lançado até o final do mês, visando famílias de baixa renda. O governo pagará pequenas reformas e deve bancar a regularização de residências irregulares — 12 milhões sem escritura podem se enquadrar, segundo Marinho. Além do evidente apelo popular, o novo programa tem a vantagem de driblar as dificuldades de caixa. O Minha Casa, Minha Vida estava praticamente paralisado, especialmente na faixa 1 do programa, que visa famílias de baixa renda. Há 100 mil unidades paradas, segundo o ministro, que também afirmou que 500 mil unidades “viraram guetos, territórios de ninguém”. São os conjuntos habitacionais longe dos núcleos urbanos, sem infraestrutura. A ideia é retomar esses espaços por meio de projetos desenvolvidos junto com organismos multilaterais.

Bolsa família repaginada

Outra bandeira do PT que Bolsonaro corre para se apropriar é a do Bolsa Família. Ele será substituído pelo Renda Brasil, que vai encampar parte dos informais abrigados no auxílio emergencial de R$ 600, criado às pressas durante a pandemia, e programas sociais como o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) e o Seguro Defeso. Segundo o ministro Paulo Guedes, terá um valor entre R$ 200 e R$ 300 (o Bolsa Família vai de R$ 89 a R$ 205). Além dos 20 milhões que recebem o Bolsa Família, mais 11 milhões devem ser incorporados. Segundo o secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida, o orçamento do futuro programa social vai superar em R$ 20 bilhões o do Bolsa Família, que soma R$ 32 bilhões anuais. Trata-se de uma guinada que Bolsonaro vai ter dificuldades em explicar. Ao longo de sua carreira no Congresso, o presidente já propôs a extinção do Bolsa Família e definiu seus beneficiários como “pobres coitados”, “miseráveis” e “ignorantes”. No primeiro ano de governo, tentando afagar os beneficiários, criou a 13º parcela do programa. Mas represou a concessão de novos benefícios.

Outro braço assistencial deve ser a Carteira Digital Verde Amarela, que tem a ambição de abarcar os 25 milhões não contemplados no Renda Brasil. Ela visa permitir a formalização e inclusão no mercado de trabalho. O programa quer permitir o registro por hora trabalhada para vários empregadores, sem a cobrança de encargos trabalhistas. Em um modelo de imposto negativo, os trabalhadores poderiam ter sua renda complementada pelo governo. Como ponto positivo, a proposta está sendo construída pela equipe econômica com apoio de especialistas de renome como Ricardo Paes de Barros e José Márcio Camargo. Pesa contra a iniciativa a necessidade de uma fonte de financiamento, ainda não estipulada. Além disso, o primeiro embrião dessa proposta, o Contrato Verde e Amarelo, foi um fiasco. A Medida Provisória (MP) que o originou foi anunciada com estardalhaço e prometia criar 1,8 milhão de empregos. Mexia em direitos trabalhistas e tinha regras confusas para estimular a contratação de jovens. Por isso, sem acordo no Congresso, caducou e foi abandonada.

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Contrato verde e amarelo

Pelo histórico do presidente, há boas razões para acreditar que boas intenções sejam convertidas em mais um projeto de marketing, com parca negociação e baixa viabilidade. Já foi assim com o Pró-Brasil, o superlativo projeto arquitetado no Palácio do Planalto pelos ministros militares, pelo próprio Marinho e por Tarcísio Gomes de Freitas (Infraestrutura), que pretendia ser um novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Coordenado pelo general Walter Braga Netto, titular da Casa Civil, o “Plano Marshall” deveria impulsionar obras com recursos públicos. Reproduzia o ideário do II Plano Nacional de Desenvolvimento, do regime militar, que fracassou. O novo PAC pretendia repetir o bem-sucedido marketing desenvolvimentista das gestões petistas, que rendeu votos, contratos bilionários, e igualmente naufragou em meio a dívidas acumuladas e obras paralisadas.

O governo está sem um plano de investimentos e reativação da economia em meio à pandemia e à recessão. Para tentar remediar isso, Marinho propõe outra frente para o reposicionamento da imagem presidencial: a busca da “segurança hídrica”. O presidente quer se beneficiar do novo marco do saneamento básico, aprovado por iniciativa do Congresso, que pode atrair investimentos e diminuir o déficit histórico de água e esgoto tratados pelo país. Bolsonaro também já começou a associar a sua imagem à transposição do rio São Francisco, obra que virou uma mina inesgotável de propaganda populista. Viajou ao Ceará no último dia 26 para inaugurar um trecho do Eixo Norte do projeto, repetindo gestos de Lula, Dilma Rousseff e Michel Temer. A ânsia por melhorar a imagem do presidente fez a equipe de comunicação cometer gafes. Um vídeo institucional que mostrava pessoas fazendo ligações ao presidente para comentar o projeto na verdade usava imagens retiradas de bancos de imagens. Com a repercussão negativa na internet, a peça foi apagada.

FAKE NEWS Flávio Bolsonaro divulgou imagem das obras da transposição do rio São Francisco para mostrar realizações do pai, mas a foto foi tirada no governo Dilma Rousseff (Crédito:Divulgação)

Tudo isso se soma ao périplo pelo País, suspenso temporariamente depois que o presidente contraiu a Covid-19. Bolsonaro confirmou que fará neste segundo semestre uma agenda intensa de viagens, inaugurando obras e anunciando projetos. Mas o esforço deve ser em vão. A percepção negativa derrubou a popularidade e já prejudica os investimentos. Acuado, o governo prepara uma resposta aos investidores, reunindo dados positivos em áreas como Meio Ambiente, Agricultura, Defesa, Justiça e Itamaraty. Pressionado, o Itamaraty prepara uma prestação de contas, com relatório de gestão de todas as representações diplomáticas. Convencer executivos e empresários bem informados será ainda mais difícil do que avançar na cruzada populista. Nada pode neutralizar o arsenal inesgotável de despropósitos lançados quase diariamente por Bolsonaro. É da sua natureza.

 


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