REINO UNIDO Aumento do contágio impõe novas medidas restritivas e volta dos bloqueios: 200 mil pessoas imunizadas até agora com vacina da Pfizer/BioNTech (Crédito:Toby Melville )

Nos Estados Unidos, que aprovou para uso emergencial duas vacinas, a da Pfizer/BioNTech e a da Moderna, foi disparada uma campanha de imunização que atingiu 100 mil pessoas. O presidente eleito, Joe Biden, foi vacinado ao vivo, pela TV. O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, recebeu a dose contra a Covid-19 sábado 19, dia de início da campanha no país. “Pedi para ser o primeiro, junto com o ministro da Saúde, Yuli Edelstein, para dar exemplo e encorajar a população”, disse Netanyahu. A Europa aprovou a vacina da Pfizer/BioNTech para uso em todos os países do continente e inicia sua campanha dia 27 de dezembro. E a Rússia conta com um plano e uma vacina próprios e diz já ter distribuído sua Sputnik-5 para 100 mil pessoas. Na China, o governo informa que um milhão de indivíduos foram imunizados sem registro de incidentes graves. Está claro que, no momento, a vacinação é a única saída possível para sair do labirinto da Covid-19. É uma solução amparada pela pesquisa e um milagre da ciência. Líderes políticos comprometidos com os cidadãos buscam dar credibilidade à imunização e torná-la o mas abrangente possível – é necessário vacinar 80% das pessoas para se alcançar a imunidade de rebanho. Mundo afora a questão do combate ao coronavírus transcende ideologias e não sofre qualquer tipo de politização.

O ano de 2020 chega ao fim com uma nova cepa do coronavírus identificada no Reino Unido, 70% mais transmissível que o original

Enquanto isso, vive-se no Brasil um desnecessário clima de apreensão, com atraso na compra de insumos, como seringas e agulhas e demora na assinatura de contratos de aquisição de vacinas e na realização de um levantamento de geladeiras e sistemas de armazenamento em todo o País. Embora os processos tenham avançado um pouco na última semana, o País perdeu um tempo precioso para o planejamento no combate à doença por incompetência do governo, que não fez nada para se antecipar aos problemas. Prevalece entre Bolsonaro e seus subordinados uma visão negacionista que tenta minimizar o impacto da Covid-19 e iludir a população. O presidente diz que não quer ser vacinado e menospreza a velocidade de contágio e o poder letal da doença. Prefere assustar as pessoas, promover a cloroquina, sabotar projetos alheios e dizer que quem for vacinado vai virar “jacaré”. O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, que ecoa a irresponsabilidade do chefe e oferece um plano de vacinação mequetrefe, diz que há muito barulho por nada e que a cobrança por uma vacina é “ansiedade”. Isso porque se trata da maior campanha da história do País, algo nunca visto. Os epidemiologistas estimam que serão necessárias 340 milhões de aplicações, considerando vacinas de duas doses. Em muitos casos, dadas as dimensões territoriais do Brasil, elas serão distribuídas com grande dificuldade logística.

A situação no País só não é pior por causa da ação do governo de São Paulo, estado com 44 milhões de habitantes que, diante da imobilidade federal, montou um planejamento próprio e facilitou a fabricação imediata da vacina Coronavac no Instituto Butantan, em parceria com o laboratório chinês Sinovac, cujo laboratório recebeu o certificado de boas prática da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O Sinovac já entregou 3,12 milhões de doses trazidas na China ao Butantan. O Instituto tem outros dois milhões de doses da Coronavac produzidas localmente estocadas. Sua fábrica trabalha a todo vapor e abre a real possibilidade do Brasil participar ativamente do mais importante esforço tecnológico deste século. O Butantan, fundado há 120 anos para enfrentar uma epidemia de peste bubônica em São Paulo, prima pela credibilidade e já fechou acordos de interesse com 12 estados e mais de mil municípios para o fornecimento do imunizante contra a Covid-19. A meta é iniciar a campanha local de vacinação dia 25 de janeiro, dando prioridade a idosos com mais de 60 anos e profissionais de saúde. O governo paulista também comprou 100 milhões de seringas e agulhas. Além do Brasil, a Coronavac está sendo adotada na China, na Indonésia e na Turquia.

PLANO MEQUETREFE Sem ideias e iniciativas, o ministro Pazuello demora para reagir e diz que cobrança por uma vacina é “ansiedade”: negligência (Crédito:Mateus Bonomi)

O ano de 2020 chega ao fim com uma nova cepa do vírus sendo identificada no Reino Unido, 70% mais transmissível que o original, e encontrada também na Itália, na Espanha, na Suíça e na Austrália. Diante do aumento do risco, ao menos 40 países se fecharam para o comércio com o Reino Unido nos últimos dias. Segundo os epidemiologistas, num primeiro momento não há evidências de que a variedade leve a casos mais graves ou tenha mais letalidade e nem que seja resistente às vacinas. Outras mutações já trouxeram vantagens à transmissão do coronavírus, inclusive no Brasil, onde também há novas cepas. Mais de quatro mil mutações foram descritas desde o início da pandemia. E a vigilância genética constante do vírus é parte essencial da estratégia para enfrentá-lo. A nova cepa, porém, preocupa muito. É preciso acompanhar as mutações e reagir rapidamente, tomando medidas preventivas, como está sendo feito agora na Europa, onde há uma volta dos bloqueios totais e dos confinamentos e foram estabelecidas duras restrições para as festas de fim de ano.

Na Itália o número de mortes vem subindo, como no primeiro semestre, de maneira alarmante, e já supera 70 mil. O mesmo acontece nos Estados Unidos, no México, na Índia, no Reino Unido, na Espanha, na Argentina e no Brasil. São 80 milhões de infectados e 1,75 milhões de óbitos no mundo até agora. Nos Estados Unidos, computam-se mais de três mil mortes por dia. Em pequenas e grandes cidades brasileiras as autoridades de saúde registram um recrudescimento nas infecções e óbitos, que voltaram a patamares em torno de mil pessoas por dia. Ao longo do mês, o número de mortes em São Paulo cresceu 34% e um aperto das restrições se tornou inevitável. A proximidade do Natal e do Ano Novo, com ruas comerciais e shoppings lotados, contribui para a expansão do contágio e levou o governo paulista a voltar ao estágio mais restritivo da quarentena, a fase vermelha, durante as festas de fim de ano.

Onda negacionista

Apesar da inquestionável intensificação da doença, uma parte da população age como se não houvesse amanhã. Além de irresponsabilidade, que pode ser um traço de comportamento de indivíduos de qualquer idade, há uma evidente arrogância juvenil associada com essa atitude, que acelera a propagação da Covid-19 e prejudica especialmente os grupos mais suscetíveis à morte pelo coronavírus. No Brasil, onde 74% das vítimas fatais são pessoas com mais de 60 anos e o contágio de jovens raramente é letal, nota-se uma tendência de relaxamento nesse público, que continua indo em festas e promovendo agrupamentos em bares e casas de amigos. A consequência é levar o vírus para os mais velhos e ameaçar suas vidas. Quem não manifesta sintomas ou não sabe se tem a doença precisa tomar especiais cuidados com a sua propagação.

Campanha de vacinação contra a Covid-19 será a maior da história, com a aplicação de 340 milhões de doses do imunizante em todo o Brasil e enormes desafios logísticos (Crédito:Tarso Sarraf)

Outro problema que prejudica o combate à Covid-19 é o negacionismo. Mesmo sabendo que as vacinas são uma das grandes responsáveis, historicamente, pela diminuição da mortalidade infantil e pela longevidade das pessoas que habitam o planeta, há uma campanha de contrainformação, orientada no Brasil pelo próprio presidente, que visa desacreditar a imunização. Verifica-se um boicote de alguns setores da sociedade à informação científica em favor de ideias não comprovadas e mentirosas. A trajetória das vacinas é povoada de fakenews e antes de Bolsonaro já se falou muita bobabem. “O negacionismo é uma atitude que acompanha a civilização desde os seus primórdios e que, no fundo, nada mais é do que a ignorância travestida de opinião”, afirma o médico Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan e gestor do plano de vacinação paulista. “Isso se transformou num mote em relação às vacinas, que foi incentivado pelas mais altas autoridades do País. Pessoas influenciáveis e, ao mesmo tempo, ignorantes aceitam fatos sem comprovação e negam a evidência do que temos de mais importante nesse momento:: a ciência”, completa.

VACINA DO BUTANTAN Dimas Covas exibe Coronavac: início da imunização no dia 25 de janeiro (Crédito:Marco Ankosqui)

O atual estágio da pandemia fornece indicações de que a vida vai demorar para voltar ao normal. Nada permite dizer que as práticas anteriores ao coronavírus serão retomadas, mesmo com a vacina, que, como disse a pesquisadora Margareth Dalcolmo, não é nenhuma panaceia, mas o primeiro passo para enfrentar uma grande ameaça sobre a humanidade. O planeta entrou num ciclo de transformações profundas e as rotinas de todos os seres humanos foram alteradas. Um “novo normal” se impõe, apesar da resistência de uma parte da população em aceitar a realidade da pandemia. Uso de máscaras e cuidados constantes com a higiene vieram para ficar, como parte de um esforço coletivo de enfrentamento da Covid-19. Mesmo com vacina ficaremos, sim, mais isolados e limitados em nossos movimentos. É o novo drama da civilização. E para se precaver é importante começar o ano com cuidados redobrados.

EXPOSIÇÃO A RISCOS Gente despreocupada e sem máscara circula na Rua 25 de Março, em São Paulo, na véspera do Natal: sem cooperação não haverá solução (Crédito:Cris Faga)

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