Coluna: Guilherme Amado, do PlatôBR

Carioca, Amado passou por várias publicações, como Correio Braziliense, O Globo, Veja, Época, Extra e Metrópoles. Em 2022, ele publicou o livro “Sem máscara — o governo Bolsonaro e a aposta pelo caos” (Companhia das Letras).

Uma lufada de democracia no funeral de Francisco

Comitiva de Lula reuniu, pacificamente, os chefes do Três Poderes em Roma e reforçou ao mundo Brasil democrático

Ricardo Stuckert / PR
Foto: Ricardo Stuckert / PR

O presidente da República, os presidentes da Câmara e do Senado e o presidente da Suprema Corte. Em meio a tantos solavancos, o Brasil conseguiu mostrar ao mundo, no funeral de Francisco, que aquela democracia emergente e sólida de outrora está de volta. Um valor, aliás, que sempre foi defendido pelo papa.

Mais que demonstrar a aproximação de Lula com Davi Alcolumbre e Hugo Motta, a comitiva é um exemplo do que o governo e os presidentes da Câmara e do Senado prometeram na posse do Congresso, em fevereiro. A garantia de que, a despeito das divergências, as instituições estarão funcionando. Lula, Hugo e Davi não concordam em tudo, pelo contrário. Sequer há certeza de que os dois parlamentares apoiarão um projeto de reeleição de Lula. Luís Roberto Barroso, por sua vez, também tem suas discordâncias de Lula e dos dois parlamentares do Centrão. Beleza. Mas têm civilidade para representarem um Estado juntos.

A viagem com os chefes dos Três Poderes, chamada por Lula, retrata esse momento, depois do ambiente conflagrado que envolveu os governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro.

A comitiva brasileira inclui a ex-presidente Dilma Rousseff e os ministros Paulo Teixeira, Mauro Vieira, Macaé Evaristo e Ricardo Lewandowski, além de parlamentares do Centrão e da esquerda. E diz muito sobre um país em que, numa mesma semana, um ex-presidente foi preso e outro recebeu uma intimação, dentro da UTI, por ser réu em um processo de tentativa de golpe.

A cena marca — ou pode marcar — o fim de tempos em que os Três Poderes viviam mais em confronto do que em harmonia e que a democracia, como a conhecemos, como a minha geração, pós ditadura, conheceu.

A democracia de 2016 para cá, que sangrava a olhos vistos, culminando com os ataques de 8 de Janeiro, não tem nada a ver com o que conheci quando nasci, em 1986 — um Brasil de concertação, uma característica que sempre marcou o país para o bem e para o mal.

Mesmo com o presidente Lula com dificuldade nas pesquisas de popularidade, voltou a ser construído um ambiente de normalidade democrática, que José Sarney, Fernando Collor (apesar da corrupção), Itamar Franco, Fernando Henrique, Lula e Dilma forjaram.

Alcolumbre e Hugo Motta foram, no início do mês, ao Japão com Lula. E o petista já participou de jantares nas residências oficiais dos dois parlamentares, conversando com os líderes de cada Casa. Eles foram convidados para integrar a comitiva da próxima viagem, à China e à Rússia. Resta saber se resistirão à pressão de parte dos parlamentares do Centrão que prega afastamento.

Lula em jantar de Hugo Motta. Foto: Ricardo Stuckert / PR

Lula em jantar de Hugo Motta. Foto: Ricardo Stuckert / PR

Por enquanto, a resistência dos chefes do Congresso está valendo. Davi Alcolumbre emplacou, sozinho, seu terceiro ministro na Esplanada dos Ministérios. No jantar na casa de Hugo Motta, dias atrás, Lula falou sobre a anistia e reforçou toda a argumentação do presidente da Câmara que, horas depois, engavetou o pedido de urgência para votar o projeto de lei. O governo e o Congresso têm pautas maiores e mais relevantes para o país, é o que dizem. Estão certos.

A viagem da comitiva brasileira lembra momentos como o funeral de João Paulo II, em 2005, que reuniu Lula, Fernando Henrique, Itamar Franco e José Sarney. Em 2013, a convite de Dilma, os ex-presidentes também foram convidados para a comitiva que acompanhou o sepultamento de Nelson Mandela. Estavam no avião Lula, Sarney, Fernando Henrique e Fernando Collor, que, nesta sexta-feira, foi preso — democracia funcional é assim mesmo.

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