Nada na trajetória política de Simone Tebet foi fácil. Ela está acostumada a enfrentar obstáculos, que sempre superou com determinação para depois triunfar contra todas as projeções pessimistas. Foi assim no Senado, quando enfrentou o bolsonarismo e brilhou na CPI da Covid. Também ocorreu dessa maneira na campanha presidencial, quando se tornou a candidata do centro democrático, lutando dentro do seu próprio partido e contra rivais poderosos. A adesão ao governo Lula, como ministra do Planejamento e Orçamento, também desagradou os petistas mais radicais, pois tornou-a uma espécie de fiadora das ideias mais liberais na economia e da frente ampla na gestão Lula. Ela acha que a aposta está valendo.

Após quase três meses à frente da pasta, ela auxilia o governo nos dois grandes projetos que devem nortear a gestão até 2026: o novo arcabouço fiscal, a ser enviado nos próximos dias ao Congresso, após a aprovação do presidente, e a Reforma Tributária, que ela considera a única “bala de prata” que o governo tem para acelerar o crescimento. Inicialmente recebida com descrédito pelos petistas, que não a queriam em um ministério da área social, ela foi uma escolha pessoal de Lula, que a desejava na área econômica porque “pensava de forma diferente dele”, como ela diz. Na época, Simone questionou o presidente sobre sua própria indicação. Ela esperava um posto na área social e considerou declinar do convite. Mas Lula a tranquilizou e disse que “sabia o que estava fazendo”. Essa iniciativa é uma prova da visão democrática do mandatário, ressalta a emedebista.

Enquanto Haddad faz a delicada costura política dos dois projetos econômicos, Tebet tenta apontar a gestão para o futuro. Uma de suas missões, como diz, é dar mais agilidade e trazer modernidade à máquina pública. Para isso, prepara o Plano Plurianual (PPA), o instrumento de planejamento de médio prazo que impactará a administração federal por quatro anos, a partir de 2024. Uma de suas prioridades (e uma das pré-condições para aceitar o posto) foi aumentar a participação feminina na administração federal, o que está segura de conseguir. Outra foi ampliar o sistema de avaliação das políticas públicas, para averiguar a eficiência dos gastos e cortar desperdícios, o que ela espera fazer em parceria com o Tribunal de Contas da União (TCU). Tebet ainda repete que o Estado “gasta muito e gasta mal”.

EQUIPE Simone Tebet ao lado de Rui Costa (Casa Civil) e de Lula na reunião ministerial da última terça-feira, 14 (Crédito:Ricardo Stuckert)

No atual governo o Orçamento não será um “faz de conta”, ela diz, prometendo transparência. “Bolsonaro foi um falso liberal, agiu com irresponsabilidade e sem preocupação com os recursos públicos. Seus gastos foram apenas eleitoreiros”, afirma. A transformação na máquina pública levará tempo e a ministra afirma que o governo está precisando lidar com os problemas herdados do governo anterior. Entre eles, um déficit de R$ 230 bilhões, “que agora vamos tentar zerar”, ela assevera. Este ano, haverá menos de R$ 180 bilhões para gastos discricionários, em que o governo tem liberdade de escolher a destinação. Quase todas as receitas estão comprometidas com os gastos obrigatórios. Para contornar essa dificuldade, ela conta com a ajuda dos organismos internacionais. A reinserção do Brasil nos órgãos multilaterais é outra atribuição da sua pasta. Para isso, viajou ao Panamá na sexta-feira para participar de um encontro do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), presidido pelo brasileiro Ilan Goldfajn. A instituição já se comprometeu com investimentos no Brasil de US$ 30 bilhões (nesse valor estão incluídos recursos também do Bird, Caf, Fonplata e Brics), montante que, convertido em reais, é comparável a tudo o que o governo pode gastar neste ano. Aí, de novo, sua visão pró-mercado e a boa relação com os economistas “não heterodoxos” contaram pontos. Ela tem grande proximidade com Goldfjan, ex-presidente do Banco Central (responsável por um ambicioso programa de modernização na instituição que levou ao Pix, por exemplo), cuja indicação ao BID quase foi dinamitada por Guido Mantega em novembro passado, quando o ex-czar da economia na gestão Dilma Rousseff integrava o governo de transição. Goldfjan foi escolhido com apoio maciço dos países que integram a instituição e Mantega acabou escanteado da nova gestão. “Acho que o Ilan nem se lembra mais disso. São águas passadas. Ele sabe como funciona a política”, contemporiza Tebet.

Além da prioridade aos mais desfavorecidos, Lula tem anunciado a volta de velhas bandeiras petistas, como o programa Minha Casa Minha Vida. No caso do novo PAC, o famoso Programa de Aceleração do Crescimento lançado originalmente em 2007, a ministra aponta que a nova versão se dará em sintonia com a iniciativa privada e com o uso de Parcerias Público-Privadas (PPPs). Já o nó a desatar para voltar a atrair capital internacional, público e privado, é recolocar a agenda ambiental em primeiro lugar. O cuidado com a sustentabilidade e o compromisso com o desmatamento zero já estão permitindo captar recursos no exterior, assegura. Mas isso não diminui a urgência de o governo equacionar o rombo fiscal legado pela gestão Bolsonaro, assim como colocar a trajetória da dívida pública nos trilhos. “O maior desafio hoje é termos espaço fiscal e dinheiro para encaminhar todas as despesas. Precisamos fazer o dever de casa”, diz a ministra. E isso mudando a prática que imperou nos últimos quatro anos. O importante é mudar o rumo. O governo passado foi irresponsável, gastou sem limites e colocou o País de volta ao mapa da fome, critica. “Procuramos soluções de forma democrática e não com a barbárie que marcou o governo passado.”

Sintonia com Lula

Tebet mostra que se sente confortável no governo, em sintonia com o presidente. “Não existe responsabilidade fiscal sem responsabilidade social”, repete. É um dos mantras de Lula. “Quero o pobre no orçamento” foi uma das primeiras ordens que recebeu do petista, ela lembra. O mandatário tem retribuído a confiança. Na reunião ministerial da última terça-feira, quando ele deu uma bronca em ministros que propunham “genialidades” sem consultar o Planalto, estava ao seu lado e foi apontada como uma das pessoas que deveriam ser procuradas para aprovar eventuais programas novos. “Foi uma fala necessária”, concorda. “São 37 ministérios com políticos das mais variadas origens, sete ex-governadores, senadores, ex-prefeitos e gestores experimentados. Às vezes os ministros de boa fé antecipam projetos. Antes de lançar as ações, é preciso passá-las pelo crivo da Casa Civil e da Presidência, para ver se há espaço fiscal para executar as ideias”, diz. A sinergia também fez o presidente convocá-la a “viajar pelo País”, visitar todos os estados da Federação para conversar com os gestores locais, com o objetivo de estreitar as relações e ampliar as parcerias. Ela está animada com essa tarefa.

DE BRANCO Tebet com Lula em Teófilo Otoni (MG) durante a campanha, no segundo turno: centro democrático e frente ampla (Crédito:RICARDO STUCKERT)

Queda dos juros

Alinhada também com Haddad, Tebet diz que o ministro da Fazenda “está surpreendendo”. Ao lado do colega, ela faz coro ao pedir que o Banco Central comece a baixar os juros, para reativar a economia, que está desacelerando desde o final do ano passado. “Os juros precisam cair, ou na pior das hipóteses se estabilizar.” Mas evita citar nominalmente o presidente da instituição, Roberto Campos Neto, preferindo focar no relatório a ser elaborado pelo Comitê de Política Monetária (Copom), que se reunirá nesta semana, dias 21 e 22, para determinar se a Selic permanecerá no atual patamar de 13,75% (mais provável) ou começará uma trajetória de queda. Para reforçar a confiança do Banco Central e do mercado, conta com a divulgação do novo arcabouço fiscal nos próximos dias. Como Haddad, acha que o governo já mostrou que está comprometido com o equacionamento do déficit público.

Mas a ministra conta com uma mudança importante para destravar o crescimento. “A única bala de prata para dar serviços públicos de qualidade é a Reforma Tributária.” Essa é considerada a mãe de todas as reformas, mas nunca andou porque mexe em interesses regionais e causa arrepios em setores que podem ser duramente afetados, como o de serviços. Agora, sairá do papel, acredita a ministra. “Vejo o copo meio cheio. A reforma está há 30 anos no Congresso e nunca esteve tão madura.” Descarta com ênfase a possibilidade de volta da CPMF, um imposto regressivo que já foi desprezado pelo Legislativo e era uma obsessão de Paulo Guedes. Tebet fala com conhecimento de causa sobre essa mudança que poderá trazer mais “justiça tributária”, já que conhece as complexas negociações no Congresso, onde foi senadora por oito anos, além de vice-governadora do Mato Grosso do Sul e prefeita da cidade onde nasceu, Três Lagoas (MS). Até dezembro a mudança deverá ser votada, confia. É uma janela de oportunidade que o governo precisa aproveitar no período favorável do início do mandato, “porque o problema é no ano que vem”.

ASCENSÃO Simone Tebet se destacou como senadora na CPI da Covid, quando chegou a bater boca com o então chefe da CGU, Wagner Rosário (Crédito:Roque de Sá)

O otimismo e a energia que Tebet está demonstrando neste início de gestão contrastam com o ceticismo inicial de agentes econômicos. O governo Lula tinha desde o time de transição nomes responsáveis pela “nova matriz econômica”, o plano econômico intervencionista que fracassou provocando a maior recessão da história. Tebet, ao contrário, vinha de uma campanha em que havia reunido economistas que formularam o Plano Real e atuaram no governo Fernando Henrique Cardoso. Quando o ministério de Lula foi anunciado, muitos se perguntaram qual seria o papel dela em um time cercado de petistas que lembrava muito mais a gestão Dilma do que o primeiro mandato de Lula, nos anos 2000. Ela parece confiante que vai, mais uma vez, dar a volta por cima.

“A grande missão é garantir qualidade nos gastos públicos”

Ministra comenta os projetos de novo arcabouço fiscal e Reforma Tributária e diz que sua equipe quer tornar os ministérios mais eficientes

A nova geração encontrou um orçamento engessado, apesar da aprovação da PEC da Transição. Quais são as prioridades?
O problema não está apenas no orçamento engessado. O problema não é já ter as despesas direcionadas para a saúde, educação, previdência e salário. A questão é que o Brasil gasta muito e gasta mal. É um grande elefante branco, pesado, atrasado e deficiente. O meu objetivo é garantir agilidade e eficiência por meio de uma nova visão de gestão pública, que passa pelo planejamento antes do orçamento. Esse é o ano do PPA, o Plano Plurianual. A meta é que nós possamos envolver todos os ministérios. Que o plano possa ser a bússola que faltou, por exemplo, nos últimos quatro anos e na pandemia. Com um planejamento bem feito, preocupação social e envolvimento de todos os ministérios, conseguiremos alcançar a missão principal do presidente, que é a primeira ordem que ele me deu: “Quero o pobre no Orçamento”. E não é só o pobre que tem que estar dentro: é a primeira infância, é o jovem e o idoso.

“O ministro Fernando Haddad tem me surpreendido. Ele cuida das receitas e está preocupado com o Orçamento, com o fiscal”

A senhora anunciou na posse que atuaria para monitorar e avaliar as políticas públicas em parceria como o TCU e CGU. Esse trabalho estará atrelado à nova âncora fiscal?
O Orçamento tem dois entraves: da receita e da despesa. Com a receita, a minha missão é dar suporte, colocar nossa equipe toda à disposição do Ministério da Fazenda, ajudando a fazer contas. Do lado da despesa, é difícil, diante das necessidades de um País que hoje tem 33 milhões de famintos e mais de 120 milhões de pessoas com insegurança alimentar. O Brasil tem uma demanda de cirurgias e consultas, fruto da pandemia. É difícil falar apenas em corte de gastos. Então, uma vez que cortar é mais difícil, embora necessário, faremos naquilo que é supérfluo ou desperdício. A grande missão é garantir qualidade nos gastos públicos. Pela primeira vez nós temos no Ministério uma secretaria exclusivamente para isso. O objetivo, e tenho consciência de que é um grande desafio, é envolver todos os ministérios para mostrar que o nosso papel é servir aos demais. Queremos ser um ministério parceiro dos outros para que possamos ser eficientes.

A senhora declarou que a nova âncora fiscal vai agradar a todos, inclusive ao mercado. A responsabilidade fiscal será preservada? O déficit vai diminuir?
Vamos lembrar que o governo passado foi irresponsável. Visando à reeleição, gastou de forma desordenada e sem limites. Provocou inflação e juros altos, além de colocar o Brasil no mapa da fome. Isso não pode ser esquecido. Ao ponto de eu, como uma liberal, que tem o fiscal como âncora, e do Congresso, termos de aprovar uma PEC que gerou um déficit fiscal histórico de R$ 232 bilhões. Claro que houve a pandemia, mas teve uma irresponsabilidade do governo que só dizia que era liberal, mas não tinha nenhuma preocupação com os gastos públicos. A intenção foi eleitoreira. Neste governo, nós não só herdamos esse déficit fiscal, cuja nova âncora tem como premissa zerá-lo, como temos uma responsabilidade para fazer com que os juros caiam e, na pior das hipóteses, estabilizar a dívida pública. Tudo isso que vai ser apresentado, e que já tem anuência do presidente para ocorrer, vem ao lado da crença de que é possível fazer investimentos públicos e continuar a garantir serviços públicos de qualidade. Precisamos ter uma visão moderna de parcerias público-privadas, de investimentos privados não só nacionais como estrangeiros. No mais, temos de aproveitar o bom momento: um governo que coloca a responsabilidade sócio-ambiental como prioridade. Meu papel é ajudar a equipe econômica e restaurar essa segurança jurídica, socioambiental e garantir previsibilidade. Sabemos que ninguém investe no escuro. Estou otimista de que a nova âncora fiscal vai ser bem aceita por todos. Ninguém está falando que vai fazer milagres ou mágicas. Estou dizendo que há várias qualidades desse arcabouço: ele é simples e crível. Falta apenas colocar os números para ver o quanto se poderia ser mais ou menos otimista numa visão de médio prazo.

E a reforma tributária? Há riscos como a volta da CPMF?
Não vejo de forma alguma esse risco, porque a sociedade refuta essa ideia e o Congresso é que segurou essa proposta da retomada de um imposto digital maquiado. A reforma é sobre o consumo, inicialmente. Fala em unificação dos tributos, visa a um sistema mais simples e com justiça tributária. Quem mais consome é o pobre. Alguns pontos precisam ser mais bem debatidos junto com o Congresso e em relação aos entes federados e aos diversos setores da economia, mas isso está muito avançado.

O presidente criticou em reunião no Planalto “genialidades” de ministros e pediu que todos ouvissem a senhora e o ministro da Fazenda. O governo ainda está “ajustando” o discurso?
Acho que a fala foi necessária por duas razões. Primeiro, porque o governo é um só e é do presidente Lula. Estamos com uma ampla frente democrática com diversos pensamentos e matizes ideológicas. Temos 37 ministérios com pessoas experientes, sete ex- governadores. senadores e ex-prefeitos. Numa estrutura tão grande como essa, diante da pressa que todos temos de unir, pacificar e reconstruir o Brasil, diante de tantos retrocessos, muitas vezes no início de um governo acontece de todos quererem contribuir da melhor forma possível. Mas nós precisamos partir de duas premissas. É preciso que todas as ações passem pelo crivo político, portanto, pela Casa Civil, que faz análise política junto ao presidente. E, em paralelo a isso, que se coloque no papel essa política pública para que possamos ver pelo lado da receita, se há recursos.

A senhora participará de reunião do BID nos próximos dias. O ex-ministro Guido Mantega tentou impedir a eleição do seu presidente, o brasileiro Ilan Gold- fajn. Esse mal-estar já foi superado?
Ele nem lembra mais disso, é página virada. Todos nós temos experiência suficiente para saber como isso funciona na política. Hoje, o Ilan fala com o ministro da Fazenda e está pronto para colaborar nesse momento importante em que o mundo está olhando para nós e dizendo que estão prontos para colaborar conosco, se fizermos nossa parte. Eles querem servir ao planeta por meio do Brasil, que tem a maior floresta tropical do mundo. Sabem do exemplo que o País pode dar na parte da energia limpa, do esforço que faremos na transição energética. Esse governo tem prioridade absoluta em relação a isso. Não à toa, colocou Marina Silva na pasta do Meio Ambiente, criou um ministério dos povos indígenas e tem a determinação do desma­tamento ilegal zero. Fazendo isso, o BID e outros organismos multilaterais têm todas as condições de nos ajudar.

Durante a campanha a sra. tinha uma equipe de economistas liberais. Agora, passou a ser aliada do Haddad. Mas vocês passaram a ser visados por uma ala política do governo, ligada ao PT.
Sim, porque eu acho que o ministro Haddad tem me surpreendido. Ele cuida das receitas e está preocupado com o Orçamento, com o fiscal. E nisso ele faz realmente com que eu me aproxime dele. Porque entendo que não se faz o social sem o fiscal. O Orçamento tem de levar em consideração a questão dos gastos públicos. Conciliar as necessidades e prioridades de cada ministério com suas perspectivas atribuições e com os recursos disponíveis. Essa mesma visão se vê no discurso do ministro Haddad.