Não poderia ser mais estranho. No meio de seu depoimento à CPI da Pandemia, na tarde desta quinta-feira, o policial militar Luiz Paulo Dominguetti mencionou, assim como quem não quer nada, que tinha uma gravação comprometedora, em que o deputado Luis Miranda tentava negociar vacinas com o governo.

Foi estranho porque Dominguetti estava lá para contar outra história: um suposto pedido de propina que lhe teria sido feito pelo ex-diretor de logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, quando ele ofereceu ao governo doses da vacina AstraZeneca, como representante de uma empresa de insumos médicos dos Estados Unidos, a Davati Medical Suply.

Foi estranho porque Miranda, você sabe, tornou-se uma pedra pontiaguda no sapato de Jair Bolsonaro, depois de revelar que entregou ao presidente indícios de maracutaia na compra da Covaxin pelo Ministério da Saúde, e que o presidente não fez nada para intervir, mesmo tendo dito que suspeitava do envolvimento do deputado Ricardo Barros, líder de seu governo no Congresso.

Ao lançar desconfiança sobre o Miranda, Dominguetti explodiu uma bomba. Sabia muito bemo que estava fazendo, apesar do jeitão displicente com que entrou no assunto. Pois a gravação estava prontinha para ser tocada no seu celular. Ele não levou nem um segundo para achar o arquivo.

E foi então que as coisas ficaram esquisitas de verdade. O áudio em momento nenhum mencionava vacinas. Aliás, tinha frases que sugeriam que vacinas não poderiam ser o tema da conversa. De fato, logo em seguida, Miranda foi a público para afirmar que os áudios eram antigos e haviam sido editados, pois falavam de luvas hospitalares. A essa altura, no entanto, a internet já pegava fogo com mensagens de desqualificação do deputado e apoio a Jair Bolsonaro.

Dominguetti acabou reconhecendo que não conhecia as circunstâncias em que a gravação havia sido feita. Disse que ela lhe havia sido encaminhada pelo advogado da Davati no Brasil, dando a entender que tratava da compra e venda de imunizantes.

Os senadores da oposição não perdoaram. Acusaram Dominguetti de ser um cavalo de troia, alguém que havia surgido do nada para desencaminhar as investigações da CPI. Dois senadores sugeriram que ele fosse preso. A comissão apreendeu seu celular.

Será preciso aguardar até que seja feita uma perícia na gravação – e que se ouçam os originais que Miranda diz ter. Por enquanto, apesar de todo o barulho nas redes sociais, nada mudou. O governo Bolsonaro continua às voltas com o escândalo da Covaxin.

Se for comprovada mesmo uma tentativa desastrada de minar a credibilidade do deputado, será preciso investigar e chegar aos mandantes. E aí Bolsonaro pode ter um outro escândalo para enfrentar.