Aos 23 anos, o estudante de medicina Lucas de Abreu não tem carteira de motorista. Aprender a dirigir não está em sua lista de prioridades, e não ter um carro nunca lhe fez falta. Faz todos os seus deslocamentos usando o transporte público e só recorre aos aplicativos de motoristas particulares quando as estações de metrô já estão fechadas. O seu caso é semelhante ao de muitos outros jovens que já não veem mais o carro como um símbolo de sucesso e independência na passagem para a vida adulta.

De acordo com um levantamento do Ipsos feito a partir de dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), o número de emissões de habilitações vem caindo. Em 2014, foram 494,6 mil carteiras emitidas para motoristas na faixa dos 18 a 25 anos. Em 2017, o número caiu para 381,7 mil. Outra pesquisa, feita pela Júnior Mackenzie a pedido da Alelo, aponta que 55,4% dos jovens de 18 a 24 anos não tem habilitação. Os dados não se restringem apenas ao Brasil. O fenômeno de desinteresse crescente pelos automóveis é mundial. Nos Estados Unidos, a porcentagem de estudantes de ensino médio que possuíam uma habilitação caiu de 85,3% em 1996 para 71,5% em 2015, segundo levantamento feito pela organização Monitoring the Future. O mesmo acontece na Inglaterra: em 1992, 43% dos jovens de 17 a 20 anos sabiam dirigir; 12 anos depois, a porcentagem caiu para 29%.

O custo envolvido no processo de tirar uma habilitação no Brasil é um dos fatores que afastam os jovens dos carros. O valor varia de acordo com o Estado, mas pode chegar a R$ 2 mil reais. Ter um carro também é caro: modelos populares saídos das concessionárias estão na faixa dos R$ 40 mil, além dos custos de manutenção, combustível e estacionamentos. Mas dinheiro está longe de ser o fator determinante.

LUCAS DE ABREU O estudante de medicina de 23 anos nunca aprendeu a dirigir e não tem uma habilitação. Não sentiu falta do carro em nenhum momento. “Uso apenas o transporte público”, diz ele. (Crédito:Marco Ankosqui)

Esse desinteresse passa pela quantidade de opções disponíveis a todos e que oferecem a mesma sensação de liberdade sem os encargos de manter um carro na garagem. Além do transporte público, é possível recorrer aos aplicativos de motoristas particulares ou a bicicletas espalhadas pela cidade. Todas essas modalidades costumam ser usadas em conjunto para que cada um escolha o melhor caminho. Com isso, a necessidade de ter um veículo passa a ser questionada. “Só em São Paulo, quase um terço das viagens são apenas de ida, ou seja, o usuário utiliza o aplicativo para ir ou voltar de um local, combinando um Uber com outros modais de transporte”, diz Adriana Gomes, diretora de marketing da Uber Brasil. “Nas cidades em que a Uber já está há bastante tempo, observamos que temos grandes pontos de concentrações de início e encerramento de viagens em estações de metrô e terminais rodoviários”, afirma ela.

As bicicletas também se impuseram como uma alternativa e um complemento. O economista Lucas Genoso, de 25 anos, trabalhava na região da Avenida Faria Lima, em São Paulo, mas morava longe do escritório. Tirava seu carro da garagem todos os dias e perdia algumas horas no trajeto. “Quando mudei para uma casa a três quilômetros do trabalho, comprei uma bicicleta. Comecei a usá-la uma ou duas vezes por semana. Quando coloquei na ponta do lápis, resolvi vender o carro”, conta ele. Genoso já pedalava antes e conta com uma ciclovia privilegiada na avenida, mas seu exemplo tem sido seguido por mais gente, interessada em fazer principalmente pequenos deslocamentos sem recorrer ao carro ou ao transporte público.

Uma das iniciativas que têm ajudado a incentivar as pessoas a pedalar é a Yellow. Lançada em São Paulo, ela envolve um aplicativo de celular usado para cadastrar créditos e desbloquear as bicicletas espalhadas pela cidade. Cada pessoa usa quanto quiser e deixa a bicicleta em qualquer lugar. Pelo app dá para saber onde encontrar uma delas. “A questão da mobilidade em São Paulo é muito complexa”, diz Luiz Felipe Marques, diretor de comunicação e marketing da Yellow. “O problema não será resolvido com apenas um modal. Por isso a bicicleta tem surgido como uma alternativa principalmente para os deslocamentos individuais curtos, conhecidos como microdeslocamentos”, afirma ele. Segundo Marques, a empresa já esperava que os picos de demanda pelas bikes acontecessem entre 7h e 10h e entre 17h e 20h. Mas descobriram um terceiro: na hora do almoço, quando os usuários resolviam pedalar até um restaurante mais distante ou para evitar o trânsito e resolver alguma questão com maior rapidez.

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Mentalidade

A decisão de não aprender a dirigir ainda desperta a curiosidade dos mais velhos, acostumados a ver o carro como símbolo da independência. “Nunca senti nenhuma pressão, mas os familiares me perguntam se eu pretendo tirar a carteira algum dia”, diz Lucas de Abreu. Entre seus colegas, no entanto, a situação é comum. São poucos os que sabem dirigir – e ainda menos aqueles que possuem um carro próprio. “Bastante gente hoje dá preferência pelo serviço e não se interessa tanto em adquirir alguma coisa”, diz Lucas Genoso. Nem todos estão dispostos a pedalar em vez de andar de carro, mas muitos estão percebendo que investir em um veículo é um mau negócio, pelo tanto que ele deprecia.

Essa mudança de mentalidade ainda demorará algum tempo para ser percebida em todos os setores da mobilidade. A indústria automobilística registrou os melhores índices de vendas para o mês de agosto dos últimos quatro anos, mas o desinteresse dos jovens já é uma preocupação entre as montadoras, que pensam em estratégias para reconquistar esse público. A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos (Anfavea) prepara uma pesquisa justamente para entender esse fenômeno. “Não à toa, muitas estão investindo em carros elétricos”, diz Luiz Felipe Marques, da Yellow. “Os jovens querem se associar a marcas com um propósito, que se preocupam com o impacto no mundo. É uma outra relação de consumo”, afirma.


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