CLAUDIA ANDUJAR – A LUTA YANOMAMI/Instituto Moreira Salles Paulista, SP/ até 7/4/ IMS Rio, a partir de julho

A exposição “Claudia Andujar — A Luta Yanomami”, em cartaz no IMS Paulista, é altamente educativa. Deveria entrar imediatamente para os currículos escolares como aula de história, política, ciências sociais ou estética. Ao longo de cerca de 300 fotografias, desenhos, documentos e uma instalação, a mostra conduz o espectador por um mundo que um dia existiu em harmonia e que foi paulatinamente destruído pelo progresso e pela ganância da civilização branca.

A fotógrafa Claudia Andujar entrou em contato com a população ianomâmi (segundo a ortografia atualizada) da região do rio Catrimani, Roraima, quando viajou à Amazônia para fazer uma reportagem que seria publicada no primeiro número da revista Realidade, em 1971. A reportagem investigava a região para discutir os planos de desenvolvimento do governo do general Médici. Mas fidelidade à representação da realidade nunca foi prioridade para Andujar e, publicada a matéria, sua fotografia não tardou a se descolar da neutralidade jornalística. Se o cotidiano e o universo mítico são uma só esfera para os ianomâmi, a artista Claudia Andujar retratou a sua realidade mágica com desfoques, distorções, enquadramentos incomuns e cores quase lisérgicas. Com uso de filme infravermelho, a mata verde virou rosa choque e a água do rio ganhou cor azul piscina. A ativista Claudia Andujar nasceu do prolongado contato com os ianomâmi e do testemunho de sua tragédia no rastro do garimpo e dos interesses defendidos pelo governo militar.

É chocante o contraste entre as imagens apresentadas nos dois andares da mostra. Nas fotos da primeira fase (1971-1977), o visitante atento poderá reconhecer, em cada rosto retratado, em cada corpo entregue ao balanço da rede ou às atividades da caça, a intensidade da cumplicidade se fortalecendo entre a artista e seus amigos. “Fotografar é o processo de descobrir o outro, e através do outro, a si mesmo”, diz Andujar. A consagração dessa intimidade se dá na série dedicada aos rituais espirituais em torno do alucinógeno yãkoana. Aqui há tanta verdade nas imagens, que é como molhar os pés no Catrimani em plena avenida Paulista.

Alegria, êxtase e tranquilidade se desfazem na segunda parte da mostra, que denuncia a corrupção da cultura indígena pela mentalidade extrativista de um certo “programa de integração nacional”. Buscava-se “integrar” índios como força de trabalho na construção de rodovias que rasgavam a selva atropelando comunidades ainda isoladas. Dessa fase é a série “Marcados”, registros de uma campanha de vacinação que a fotógrafa — que teve sua família paterna exterminada pelo nazismo — compara aos retratos de judeus numerados durante o Holocausto.

 

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Os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade concluíram que a construção de rodovias no governo militar matou cerca de 8 mil índios e aniquilou comunidades inteiras. Mas que lições efetivamente foram aprendidas disso? A julgar pelas intenções do presidente Jair Bolsonaro, nenhuma. Que impacto teremos com a demarcação de terras indígenas entregue às mãos de ruralistas, que dão as cartas no Ministério da Agricultura? Em vídeo exibido no setor documental da exposição, Bolsonaro refere-se aos povos da floresta como estranhos, não-brasileiros, com o mesmo ímpeto autoritário e separatista com que decidiu que o Brasil irá abandonar o Pacto Global para Migração. Que esta exposição nos sirva de escola, para sensibilizar corações e aclarar mentes sobre os direitos de quem ocupa as cabeceiras do Catrimani há um milênio.


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