Em meio a percalços provocados pela pandemia do novo coronavírus e por problemas internos, a Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, anuncia nesta terça-feira, 6, sua 18ª edição, que será mais enxuta e em formato virtual. O Estadão apurou que houve um enxugamento nos números – a começar pelo período da festa, que agora ocupará quatro e não cinco dias: de 3 a 6 de dezembro. Com isso, a tradicional palestra de abertura, que sempre ocorre em uma quarta-feira, será incorporada à programação, que agora vai de quinta a domingo.

A lista dos autores será divulgada no início de novembro, mas deverá ficar por volta de 15 – o Estadão adianta que estão confirmadas a britânica Bernardine Evaristo (vencedora do Booker Prize de 2019 e que participará da mesa de abertura), a colombiana Pilar Quintana (cujo romance A Cachorra será lançado pela Intrínseca) e o brasileiro Itamar Vieira Junior (autor de Torto Arado).

Com isso, a previsão é que a programação tenha de duas a três mesas por dia (o habitual é entre quatro e cinco) e cada encontro poderá contar com até três escritores, além do mediador. A boa notícia para os fãs da festa literária é que a Flip Virtual será gratuita, sem venda de ingresso e com participação ilimitada de público na transmissão que será ao vivo em plataforma própria e nas redes sociais da Festa. Também haverá vídeos gravados, eventos paralelos e programações de parceiros.

“Este é um ano atípico, por isso optamos por este formato”, explica Mauro Munhoz, diretor artístico do evento. “A Flip Virtual contará com uma linguagem própria que respeita o sentido original e o espírito da Festa: ser mais do que um mero evento, estabelecendo uma relação duradoura e permeável com Paraty.”

A edição será atípica também por não contar com a presença de um curador nem de um autor homenageado. A jornalista e editora Fernanda Diamant deixou a função da curadoria em agosto – em nota, ela anunciou o desejo de abrir mão do “espaço de privilégio de forma pública”, em favor de uma curadora negra. “Mais que uma programação com autoras e autores negros, a Flip agora precisa de uma curadora negra para reinventá-la nesse mundo pós-pandemia”, escreveu Diamant.

Depois de sua saída, não houve ainda substituição. Já a questão da homenagem, o nome anunciado em novembro do ano passado foi da escritora americana Elizabeth Bishop (1911-1979), mas sua simpatia, declarada à época, ao golpe militar de 1964 despertou diversas críticas, transformando o que seria uma homenagem em um dilema.

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“Entendemos que este ano a pandemia causou a morte de artistas imprescindíveis à nossa cultura, como o escritor Sergio Sant’Anna, o compositor e letrista Aldir Blanc, o artista plástico Abraham Palatnik e a regente Naomi Munakata, entre muitos outros. Portanto, este não é um momento de celebração.

Assim, não teremos um autor específico em destaque, iremos homenagear coletivamente os que partiram”, comenta Munhoz.

Como houve uma queda significativa de recita, a Flip lançou, no mês passado, uma campanha de financiamento coletivo visando a manutenção do projeto educativo (como atividades da Flipinha e FlipZona) até março de 2021.

Entre os autores já confirmados, a britânica de origem nigeriana Bernardine Evaristo é autora de Garota, Mulher, Outras, que será lançado pela Companhia das Letras no dia 13 e que, ao ganhar o Booker Prize do ano passado, a alçou à condição de ser a primeira autora negra a receber a premiação.

Já Itamar Vieira Junior é autor de Torto Arado (Todavia), livro vencedor do Prêmio Leya de 2018. E Pilar Quintana é autora de A Cachorra, que a Intrínseca lança em novembro. Trata-se da história de Damaris que, aos 40 anos, adota uma cachorra e a batiza com o nome que gostaria de ter dado à filha que nunca conseguiu ter. “Quando comecei a escrever, eu me perguntava: ‘é incondicional o amor das mães?'”, comenta Pilar, em entrevista ao Estadão. “Se seguimos pelo livro, a resposta seria ‘não’, pois as mães também desejam amor e têm seus problemas com seus filhos.”

O ponto central da história é a maternidade, mas grande parte de sua força vem do cenário em que ela se passa: a pobre e selvagem costa do oceano Pacífico colombiano, onde a própria escritora viveu durante nove anos. “É um dos lugares com maior biodiversidade do planeta e, portanto, muito rico. Mas, ao mesmo tempo, é uma das regiões mais pobres do país. A maioria dos seus habitantes é formada por negros, abandonados pelo governo. Vivem da pesca e do turismo, não têm serviço público, educação, e o acesso à saúde é precário e, às vezes, nenhum.”

A experiência vivida em Juanchaco (Pilar contraiu leishmaniose e malária) foi difícil, mas ajudou a moldar sua literatura, que logo a tornou uma das principais escritoras colombianas de sua geração.

Pilar teve seu primeiro filho aos 40 anos, como a protagonista de A Cachorra, e conta que escreveu o romance inteiro no celular, enquanto amamentava seu filho. A maternidade teve forte influência na narrativa, especialmente quando a personagem Damaris passa do instinto maternal para o assassino.

“O que me interessa é a complexidade das pessoas. Um assassino nunca é só uma pessoa má. Geralmente são vítimas das suas circunstâncias, foi criado em um ambiente violento e sofreu maus-tratos na infância”, disse. “Busquei explorar como uma boa pessoa pode chegar a cometer algo que ela mesma considera impensável.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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