Tinha tudo para ser uma estreia exitosa em palcos internacionais. Com a desistência do americano Donald Trump, que cancelou sua participação no Fórum Econômico Mundial para lidar com a mais longa paralisação de governo da história dos Estados Unidos, foi dada ao presidente Jair Bolsonaro a honra de ser o primeiro chefe de Estado a discursar no evento que reúne anualmente milhares de políticos, banqueiros e executivos de multinacionais de todo o mundo em Davos, na Suíça. Mais do que uma oportunidade para brilhar como estadista recém-chegado ao poder, era uma chance para convencer a elite econômica mundial de que o Brasil é o lugar certo para se investir. O desempenho de Bolsonaro foi decepcionante. Não apenas no discurso de abertura, mas também na postura retraída — em alguns momentos até hostil — demonstrada nos dias que se seguiram.

Investidores e lideranças empresariais esperavam ouvir da boca do presidente os detalhes do que seu governo fará para tornar o Brasil mais atrativo para os negócios. Em sua fala de abertura na terça-feira 22, porém, Bolsonaro limitou-se a estabelecer metas genéricas. Em um discurso que durou apenas 6 minutos e 40 segundos, o melhor que ele conseguiu dizer de encorajador foi: “Vamos diminuir a carga tributária, simplificar as normas” e “trabalharemos pela estabilidade macroeconômica, respeitando os contratos, privatizando e equilibrando as contas públicas”. Em seguida, reconheceu que “o Brasil ainda é uma economia relativamente fechada ao comércio internacional e mudar essa condição é um dos maiores compromissos deste governo”. Ele só mencionou a reforma da Previdência depois, ao responder a perguntas do fundador e presidente do fórum, Klaus Schwab.

NADA A DECLARAR Mesa pronta para a coletiva com o presidente: cancelamento na última hora (Crédito:JAMIL CHADE)

Após o discurso, em vez de aproveitar o almoço para conversas de alto nível com lideranças mundiais e empresariais, Bolsonaro foi comer em um bufê de um supermercado frequentado pelo “baixo clero” do fórum. Sua agenda continuou vazia por quase toda a tarde, enquanto seu ministro da Economia, Paulo Guedes, se reunia com investidores para, aí sim, dar detalhes sobre as reformas que o governo pretende realizar. Já o ministro da Justiça, Sergio Moro, utilizou um debate sobre integridade e confiança para rebater as críticas, feitas por outros integrantes do painel, de que governos populistas que empunham a bandeira do combate à corrupção (como é o caso de Bolsonaro) costumam decepcionar seus eleitores. “O governo tem discurso forte contra a corrupção e vem adotando práticas sobre algo que não foi feito em 30 anos no Brasil, que é não vender posições ministeriais na barganha pelo poder”, disse Moro.

Só no dia seguinte, na quarta-feira 23, Bolsonaro saiu um pouco do imobilismo e encontrou-se separadamente com o primeiro-ministro da Itália, Giuseppe Conte, com o presidente da Suíça, Ueli Maurer, e com o premiê japonês, Shinzo Abe. No mesmo dia, porém, Bolsonaro cometeu uma grosseria com a imprensa mundial e com os organizadores do evento ao cancelar de última hora uma entrevista coletiva. Assessores do presidente justificaram o cancelamento dizendo que era culpa do “comportamento anti-profissional da imprensa”. Depois, disseram que ele precisava descansar. Ficou no ar a suspeita de que o presidente queria evitar responder perguntas sobre as encrencas de seu filho, o senador eleito Flávio Bolsonaro. De qualquer forma, aos olhos da imprensa internacional, fica difícil acreditar nas promessas que Bolsonaro fez no fórum de se “abrir para mundo” quando não tem sequer a disposição para tirar dúvidas de jornalistas estrangeiros.

“Trabalharemos pela estabilidade macroeconômica, respeitando os contratos, privatizando e equilibrando as contas públicas” Jair Bolsonaro, em seu discurso em Davos

O BOM NEGÓCIO DA VEZ

A sensação de oportunidade perdida é ainda maior quando se constata o contexto global em que o fórum foi realizado. Davos 2019 foi um encontro esvaziado. Além do japonês Abe e do italiano Conte, a única outra governante do G7, os sete países mais ricos do mundo, a comparecer ao evento foi a primeira-ministra alemã, Angela Merkel. A premiê britânica, Theresa May, ficou em Londres para tentar desatar o nó do seu acordo para a saída do Reino Unido da União Europeia (UE), que enfrenta resistência do parlamento. O presidente francês Emmanuel Macron não arriscou cruzar a fronteira com a Suíça. Permaneceu em casa para enfrentar a crise dos protestos do movimento dos Coletes Amarelos, que iniciou-se no ano passado em resposta a um aumento na tributação de combustíveis.

Uma das principais presenças no fórum chegou com más notícias. Christine Lagarde, diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), apresentou um relatório prevendo desaceleração de 0,2 pontos percentuais no crescimento do PIB mundial em 2019. A China, que no ano passado registrou o menor crescimento desde 1990, com uma taxa de 6,6%, deverá ter uma alta no PIB ainda mais miúda esse ano, de 6,2%. Ainda é um desempenho invejável, mas uma desaceleração no país que nos últimos anos gerou perto de um terço do crescimento global certamente terá impacto em outros países. Ainda mais porque ele se dá em meio a uma disputa de tarifas de importação com os Estados Unidos e que, numa era de cadeias de produção globalizadas, tende a tragar o comércio mundial como um todo. Nesse cenário adverso, o Brasil aparece colocando a cabeça para fora do poço da recessão. O FMI elevou para 2,5% a previsão de crescimento da economia brasileira em 2019. Não é o enriquecimento dos sonhos, mas aponta para um potencial de melhora, de recuperação. Bolsonaro tinha tudo para surfar nessa marolinha. Mas desperdiçou-a e deixou para seus superministros convencer a comunidade internacional de que o Brasil é o bom negócio da vez.