As notícias para a economia nos próximos meses serão péssimas. Ao inaugurar seu terceiro mandato, Lula terá grandes desafios fiscais imediatos. Junto a isso, a perspectiva de Henrique Meirelles não ser mais o ministro da Economia e a possibilidade cada vez mais concreta de o petista Fernando Haddad assumir o posto, deixou a economia sob Lula bastante exposta a críticas no mercado financeiro. Além disso, o STF deve autorizar os estados a cobrarem alíquotas mais altas de ICMS do combustível na virada do ano, o que vai pressionar a inflação e irritar a classe média. Lula terá dificuldades de fazer rearranjos no Orçamento. O primeiro é acomodar parte dos gastos sem previsão de receita promovidos por Jair Bolsonaro, com objetivos eleitorais, sobretudo a partir do segundo trimestre deste ano. Entre antecipações de pagamentos, aumento de benefícios sociais e corte de impostos, foram mais de R$ 300 bilhões injetados na economia. Há uma “tempestade perfeita” em formação.

“A equipe econômica terá que colocar um elefante dentro de uma gaiola Gil Castello Branco, economista

“A equipe econômica terá que colocar um elefante dentro de uma gaiola”, afirma Gil Castello Branco, economista e fundador da Associação Contas Abertas. Para ele, as promessas de campanha foram muito maiores do que os recursos disponíveis para 2023. Lula também terá de destravar o Orçamento, que, na proposta enviada ao Congresso por Bolsonaro, deixou programas sociais, assistenciais e ambientais praticamente sem recursos. A “PEC da Transição” sendo negociada atualmente com o Congresso pela equipe de transição não será suficiente para desatar o nó das promessas eleitorais. Pode ser necessário um novo arranjo para as contas públicas. “Com o gasto obrigatório dominante, não tem como fazer teto de gasto desse jeito que está aí. Tem que ser revisto”, enfatiza o economista Raul Velloso, defensor da extinção do teto de gastos — assim como André Lara Resende, escolhido para a equipe de transição. Além de Resende, foram escolhidos para o grupo Pérsio Arida, Guilherme Mello e Nelson Barbosa. São nomes com ideias muito díspares. Enquanto Arida defende ideias liberais, tendo participado do Plano Real, Barbosa é intervencionista e pilotou a economia durante o colapso do governo Dilma Rousseff.

COTADO Fernando Haddad sobe na bolsa de apostas para ministro da Fazenda: mercado não gostou (Crédito:Aloisio Mauricio/)

Enquanto sobram incertezas, a nova equipe tenta limpar o terreno para o governo que assumirá em janeiro. A recomposição de gastos sociais não previstos no Orçamento de Bolsonaro, que compõe as principais promessas de campanha de Lula, já beiraria os R$ 200 bilhões da “licença para gastar”. De acordo com Castelo Branco, tornar permanente o programa de transferência de renda de R$ 600 teria um custo adicional no Orçamento de R$ 52 bilhões. Adicionar ao pacote o benefício de R$ 150 às crianças até seis anos de idade cuja família já receba o Auxílio Brasil terá um custo aproximadamente de R$ 18 bilhões. Já a proposta de Simone Tebet de criar a poupança de R$ 5 mil para jovens de baixa renda que chegarem ao ensino superior custaria aos cofres mais ou menos R$ 4,7 bilhões. Zerar as filas do SUS consumiria aproximadamente R$ 8 bilhões e a correção do salário mínimo acima da inflação, outros R$ 6,5 bilhões. Isso sem falar em outros desafios como o reajuste para o funcionalismo que tem previsão de R$ 11,6 bilhões no Orçamento.

Economistas do grupo de transição têm ideias muito diferentes sobre como lidar com as contas públicas

“Realmente é uma missão difícil. Até porque isso envolve uma negociação com o novo Congresso”, frisa Gil. São muitas as promessas e poucos os recursos. Escaldado com o pouco apreço dos governantes brasileiros pela responsabilidade fiscal, o mercado financeiro já precifica que o próximo governo pedirá uma licença para gastar. “Não se concebe também que essa situação possa gerar um endividamento grande porque isso leva um descrédito sobre a sustentabilidade da economia”, ressalta Castelo Branco.

Herança maldita

Deve-se lembrar que não há barreiras ao atendimento dessas demandas, exceto os limites impostos pelas regras de controle fiscal. A regra do teto de gastos já foi driblada por emendas constitucionais pelo menos cinco vezes no governo Bolsonaro. E a “PEC da Transição”, que inaugura a nova gestão, também é um mau presságio para aqueles que esperam disciplina com as contas públicas da nova administração. Todos esses sinais fizeram a Bolsa despencar e o dólar disparar nos últimos dias, adicionando um ingrediente de incerteza para o próximo período.

O desafio de Lula a partir do dia 1º de janeiro não é só enfrentar o rombo fiscal criado pelo governo Bolsonaro, mas trazer o crescimento sustentado de volta quando o mundo está caminhando para uma recessão. A herança maldita não está só na área fiscal, mas na ambiental e nos indicadores econômicos, além da crise social. Lula não vai inaugurar um governo em um cenário favorável nem com as contas públicas em ordem, como há 20 anos. Ao contrário, precisará superar um panorama adverso. A “ambiguidade estratégica” que mostrou até agora em como vai lidar com essas dificuldades tem aumentado o mau humor do mercado e pode diminuir ainda mais o bônus eleitoral que ganhou das urnas.