Tanques de guerra não combinam com as belas paisagens do Rio de Janeiro. Elas sempre inspiraram paz, esperança e compaixão. Mas é assim que a cidade maravilhosa vive atualmente: obrigada a conviver com blindados, comboios, tanques de guerra. A caminho das praias, do Cristo Redentor, em avenidas e favelas, por todos os lugares há sinais da ocupação militar que começou em 28 de julho e ficará até 31 de dezembro, pelo menos. É agressivo ver um tanque de guerra no meio do Largo do Machado, um dos lugares preferidos do escritor Machado de Assis (1839-1908), que morou na região. Ou dar de cara com militares fortemente armados na Praia Vermelha, sob um céu azul da cor do mar e aos pés do bondinho para o Pão de Açúcar. Não há pesquisa recente sobre a aprovação popular, mas é bem provéavel que ainda vigore o resultado do levantamento feito na década de 1990, registrado no livro “Controles e Autonomia: as Forças Armadas e o Sistema Político Brasileiro”, de Samuel Alves Soares, no qual 89% dos entrevistados aprovavam ações militares no combate ao crime no Rio de Janeiro.

José Lucena/Futura Press

Na última década, o estado pediu ajuda de forças militares para conter a violência 12 vezes. O moço anônimo que vende pipoca perto do metrô de Botafogo diz ao amigo: “Uma cidade tão linda, né, cara? Por que não dá certo?” Em sua forma simples, ele escancara a paixão e o orgulho dos cidadãos, ricos ou pobres, pela geografia estonteante da capital, e também a decepção.

Inclusive com as várias outras vezes em que acreditaram que a derradeira solução viria, e não veio. O Ministro da Defesa, Raul Jungmann, parece se dirigir a eles quando diz que dessa vez tudo será feito para “diminuir a criminalidade e dar uma sensação de segurança que não seja passageira, mas real.” Como disse o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Sérgio Etchegoyen, em palestra: “A princípio, a criminalidade tira férias, mas quando as Forças Armadas vão embora, volta tudo.” Ambos defendem estratégias baseadas em inteligência, e não em ocupação de comunidades, e a médio prazo.

A socióloga Julita Lemgruber tem criticado, reiteradamente, a falência das ocupações. Segundo ela, os 15 meses das forças no complexo de favelas Maré custaram R$ 600 milhões. “Algo mudou? Sim, a desenvoltura de jovens desfilando fortemente armados, hoje, na Maré e no Alemão”, diz. Ela defende que esse dinheiro poderia ser melhor aproveitado em programas sociais, voltados para a juventude pobre desses locais. Na semana passada, o ministro do Desenvolvimento Social, Osmar Terra, garantiu que haverá um orçamento extra de “centenas de milhões de reais” em ações sociais, sem detalhar como.

Selfies com soldados

Thiago Muniz, 30 anos, morador do Leme, trabalha em plataforma petrolífera e estava embarcado quando o Plano Nacional de Segurança Pública para o Rio foi posto em prática. Ao desembarcar, levou um susto. “A situação é muito grave. Mas eu sinto mais medo do que segurança ao ver blindados espalhados pela cidade.” Outros conterrâneos têm feito selfies com soldados, como a modelo e atriz Vivane Araújo. E uma outra parcela parece estar indiferente, anestesiada. Dois jovens surfistas passam por dois soldados igualmente novos, na orla, e os quatro olham, de forma melancólica, para as ‘armas’ mútuas: as imensas pranchas carregadas pelos surfistas e os grandes fuzis nas mãos dos rapazes de botas e verde oliva. Outra cena, postada no Facebook, talvez explique um pouco do clima reinante. Ela foi registrada em Copacabana e descreve o momento em que o motorista de um ônibus grita da janela ao ver três soldados do exército fortemente armados: “Ô, filho da p…!”. Os soldados olham, furiosos, para o autor do xingamento. Tensão em volta. Até que um dos militares se alegra e, soltando o fuzil, acena para o ônibus, respondendo com uma intimidade que só grandes amigos se permitem: “Fala, viado!” Todos riem da situação. E a vida segue no Rio.