Intrigas é o que não faltam na disputa eleitoral de Porto Alegre. Os eleitores da  cidade estão divididos a pouco mais de três meses para o pleito e os esforços são para saber quem vai enfrentar o favoritismo do atual prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB). O levantamento do Instituto Paraná Pesquisas, realizado em junho, mostra que o prefeito está com 20,8% e tem uma ligeira vantagem frente aos adversários.

Na cola do prefeito aparece a ex-deputada federal Manuela D’Ávila (PCdoB), com 14,5%. A deputada pode contar com o apoio do PT, que ainda negocia uma candidatura com o PDT e o PSOL. Em seguida, vem o ex-prefeito José Fortunati (PTB), com 10,7%. Ele rompeu com PDT e PT, partidos que apoiaram sua gestão anterior na prefeitura (2013-2016). Em quarto lugar, com 10,2%, aparece o deputado estadual Sebastião Melo (MDB), adversário que disputou o segundo turno em 2016 e já conta com o apoio da Comandante Nádia (DEM), que tem 4,7% de intenção de votos e pode ser sua vice.

“O Mercado Público é da cidade, é dos porto-alegrenses. Nós seguimos na luta contra a privatização” Manuela D’Ávila, ex-deputada federal (Crédito:Mateus Bonomi)

Com menos de dois dígitos na pesquisa aparece, em um segundo pelotão, o atual vice-prefeito e ex-aliado de Marchezan, Gustavo Paim (PP), que tem 5,0% e é apontado como o principal articulador das intrigas internas à gestão do prefeito. É o popular fogo amigo. A neta do ex-governador Leonel Brizola, a ex-deputada estadual Juliana Brizola (PDT), aparece com 4%, seguida por outra mulher, a deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL), que tem 3,4%.

No fim da lista aparecem o vereador Valter Nagelstein (PSD), com 3,4%, e o ex-judoca João Derly (Republicanos), com 2,9% das intenções de votos.

O prefeito Marchezan rompeu um ciclo iniciado pela autodenominada “Administração Popular do PT”, que comandou a capital gaúcha de 1989 a 2004. Um exemplo do contraste de estilos entre os distintos períodos de administração está no conceito do tamanho do Estado. Enquanto o petista Olívio Dutra encampou empresas de ônibus no fim dos anos 1980, Marchezan estimula a privatização das empresas públicas, como é o caso da Carris, uma companhia de 148 anos. “A cidade deixou de ter um viés estatizante, para ser uma cidade que busca investimento externo”, comparou Marchezan.

Ele também rompeu com aliados tradicionais. Há um ano convive em uma guerra fria com o vice, Gustavo Paim. Os indicados pelo PP foram demitidos de seus cargos em pouco espaço de tempo. O prefeito acusa o Progressistas de Paim de tramar o processo de impeachment que responde. “Foram 42 mudanças no primeiro escalão da administração em 38 meses de governo. Haveria mais entregas se houvesse mais harmonia na condução política”, disse Paim em fevereiro.

Depois de tantas intrigas, Marchezan sofreu um revés vindo da Câmara Municipal que está lhe causando embaraços para a reeleição: 31 dos 35 vereadores aprovaram a abertura de um processo de seu afastamento do cargo. O julgamento é previsto para as vésperas  da eleição. A principal justificativa para o processo na Câmara é o uso de R$ 3,1 milhões do Fundo Municipal de Saúde para bancar publicidade, embora esse gasto tenha sido autorizado por 26 dos 31 vereadores que agora assinam o pedido de impeachment. O vereador Adeli Sell (PT) entende que o prefeito cometeu vários erros. “Ele comprou muitas brigas e desestruturou serviços. Na Educação, foi a gestão mais autoritária de todos os tempos. É um conflito permanente com uma visão mercadológica”, comentou o vereador.

Funcionalismo

Marchezan tomou decisões de alto risco e desagradou o funcionalismo. Contrariou interesses nos meios político e empresarial e adotou ações impopulares, como a revisão de tributos e polêmicas privatizações. Mas as críticas são infundadas. Em três anos, reduziu de 37 para 15 o número de secretarias, economizou R$ 438 milhões na revisão do custeio da máquina pública e cortou R$ 50 milhões com a dispensa de cargos de comissão, além da economia de R$ 42 milhões anuais com a  reestruturação da Previdência Municipal.

Em paralelo, a prefeitura engordou as receitas tributárias próprias em 9,4%, reivindicou o posto de líder nacional em cobrança da dívida ativa (R$ 226,3 milhões apenas em 2019) e obteve mais R$ 70 milhões ao atualizar a planta do IPTU. Com as reformas, o prefeito projeta para os próximos 10 anos gerar um caixa de R$ 5,05 bilhões, com a previsão de evitar R$ 2,7 bilhões em despesas e de produzir R$ 2,3 bilhões em receita. No entanto, com a pandemia, a arrecadação diminuiu R$ 167,53 milhões e hoje o déficit para 2020 está estimado em R$ 563,4 milhões. A busca de parcerias evitou que os gastos no combate à Covid-19 fossem ainda maiores.Desde 2019 Porto Alegre já participava do programa Regula+Brasil, com a UFRGS e com o Hospital Sírio-Libanês, que reduziu em 70% a fila do SUS para tratamentos com especialistas.

Criatividade

Com poucos recursos em caixa, a criatividade em parcerias e concessões produziu soluções pouco usuais. Uma delas foi a implantação de três “charter schools”, colégios com verbas da prefeitura geridos por instituições privadas. Outra ação, em estudo, instiga mais controvérsias: para subsidiar o transporte coletivo, Marchezan planeja instituir o pedágio urbano. Também é controversa a concessão do Mercado Público. Tão polêmica que o edital foi suspenso pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) por não ter sido submetido à avaliação da Câmara. “O Mercado Público é da cidade e dos porto-alegrenses. Nós seguimos na luta contra a privatização”, escreveu Manuela D’Ávila nas redes sociais no dia da decisão do TCE, em 18 de agosto.

Desde 2019, a prefeitura lançou sete editais, tendo assinado contrato de PPP para a Iluminação Pública e de concessão para operação de relógios digitais, placas de rua e um local de espetáculos, o Auditório Araújo Vianna. Os quatro empreendimentos somam aportes de recursos privados de R$ 604,1 milhões pelos próximos 20 anos. A prefeitura também planeja colocar em consulta pública seu projeto de PPP para o saneamento: hoje apenas 50% do esgoto é tratado.

A situação dos candidatos nesse momento mostra que o eleitor porto-alegrense não tem uma preferência clara por um ou por outro candidato. Com o tempo que falta para as eleições muita coisa ainda pode mudar. Parece, no entanto, que o traço das eleições em outras capitais não se repetirá em Porto Alegre: a pauta das discussões dos problemas da cidade deverá dar o tom à eleição.