O diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o contra-almirante da Marinha Antônio Barra Torres, é uma espécie de técnico acidental. E é também um turista profissional. No currículo que mandou para o Senado como preparação para a sabatina que ratificaria seu nome para o cargo, em vez de listar seus feitos na ciência e na área de saúde para justificar a nomeação, exibiu com destaque as cidades do mundo para as quais viajou.

Ficamos sabendo que ele conhece Casablanca, no Marrocos, por exemplo. Não há nada que possa exaltar em sua trajetória técnica que tenha relação com vigilância sanitária. Ele também fez questão de incluir seus hobbies, como automobilismo, colecionismo militar e fotografia amadora. Além disso, tratou orgulhoso, de suas leituras, que incluem guerra, religião e história. Nada de saúde. Para convencer os senadores de sua competência, Barra Torres, que tem mandato até 2024, destacou seu apreço por cinema, motociclismo e pintura em óleo sobre tela.

Torres nasceu no Rio de Janeiro, em 8 de abril de 1964, uma semana depois do golpe militar. Casado, formou-se médico pela Fundação Técnico-Educacional Souza Marques e fez residência em cirurgia vascular no Hospital Marcílio Dias. Ingressou na Marinha em 1987 e chegou ao posto de contra-almirante, terceiro mais alto da corporação, em 2015. Como civil, foi instrutor na Santa Casa de Misericórdia. E como militar, diretor do Centro de Perícias Médicas da Marinha e do Centro Médico Assistencial da Marinha.

Quando foi sabatinado pelos senadores da Comissão de Assuntos Sociais do Senado (CAS), no dia 19 de outubro, Barra Torres foi classificado como uma pessoa de “afinidade intelectual e moral” para exercer o cargo. No relatório de poucas linhas, o senador Romário (Podemos-RJ) citou a experiência militar de Torres e destacou que ele se comprometeu a atuar pelo “bem do Brasil”. Foi o suficiente para que ele recebesse 14 votos favoráveis e apenas três contrários na comissão. No Plenário, foram 34 a favor e 7 contrários. Em uma sabatina morna, semelhante à uma conversa entre companheiros da caserna, Torres usou seu tempo para se vangloriar das ações militares, ignorando os números da pandemia do novo coronavírus, em um país que naquele dia alcançava a marca de 154.176 mil mortos.

Três semanas após ser oficializado no cargo que já ocupava como interino, Torres protagonizou a ação de interrupção dos testes da Coronavac, que colocou em xeque a independência da Anvisa. Tanto que membros do Supremo Tribunal Federal (STF), do Congresso e do Tribunal de Contas da União (TCU) suspeitam que o contra-almirante colocou o jogo político acima dos interesses de milhões de brasileiros, que aguardam uma saída contra a doença. O Ministério Público apresentou uma representação junto ao TCU para apurar o possível uso político da Anvisa.

Agrados ao capitão

CURRÍCULO Braga Torres nasceu em 1964, uma semana depois do golpe militar: carreira na Marinha e uma longa lista de hobbies

O histórico de agradar o presidente Jair Bolsonaro norteia os atos de Barra Torres. Seu desapreço pela saúde pública e pelas normas mundiais estabelecidas para amenizar os riscos de transmissão do coronavírus não são novidade, mas cresceram na esteira de sua aproximação com Bolsonaro. Torres é conhecido do presidente nos círculos militares fluminense. Por sua longa amizade, ganhou projeção junto ao núcleo militar do governo. Assim como Bolsonaro, Torres sempre defendeu que medidas drásticas em relação ao coronavírus deveriam ser evitadas para não criar um clima de pânico no País. O uso de máscara foi ignorado por ele em abril, quando participou de uma manifestação antidemocrática na Esplanada dos Ministérios, ao lado de Bolsonaro. Ainda como interino na Anvisa, Torres enfrentou o então ministro da Saúde Henrique Mandetta, e convenceu o presidente a obrigar o ministro a recuar na decisão de impedir a saída de novos cruzeiros do país, enquanto se mantivesse o estado de emergência. O objetivo do Ministério da Saúde era evitar a concentração de pessoas, mas Torres minimizava os efeitos da doença. Não mudou seus pensamentos e suas ações desde que foi sacramentado no cargo. Para ele, essa pandemia é um estorvo. Mais importante é conhecer o Ceilão.