Como se fosse um atacante arrojado, o vice-presidente general Hamilton Mourão terá um trio de zagueiros a vigiar seus passos quando entrar em campo na segunda-feira 21 para substituir o presidente Jair Bolsonaro durante a viagem que ele fará a Davos, na Suíça, para participar do Fórum Econômico Mundial. Vizinhos no Palácio do Planalto, os ministros da Casa Civil, Onyx Lorenzoni; da Secretaria de Governo, general Carlos Alberto dos Santos Cruz; e da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, foram escalados para marcar Mourão de perto. Poderá ser um cuidado exagerado. Mourão promete: irá manter-se o mais discreto possível na semana em que assumir a condição de presidente da República.

Dado, porém, o histórico de declarações polêmicas do vice ainda antes da campanha eleitoral como vice na chapa de Bolsonaro, dentro do governo avaliou-se como necessária a vigilância ao general. Parlamentares do PSL também disseram à ISTOÉ que vão ficar de olho. Bolsonaro embarca para Davos na segunda-feira 21 ao lado do ministros da Justiça, Sergio Moro, e da Economia, Paulo Guedes. Com a ausência do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, os três são esperados como estrelas do encontro. O mundo econômico está curioso para ter detalhes de como será um governo brasileiro que promete uma guinada liberalizante na economia. O encontro termina na quinta-feira 24, e Bolsonaro deverá estar de voltar ao Brasil na sexta 25.

Nova interinidade
Passado o fim de semana, porém, Mourão poderá voltar ao exercício da Presidência alguns dias depois. Já na segunda-feira 28, está marcada a cirurgia para a retirada da bolsa de colostomia que Bolsonaro usa desde o atentado em que sofreu uma facada de Adélio Bispo no dia 6 de setembro, em Juiz de Fora. Segundo os médicos que atendem o presidente, é um procedimento simples. A cirurgia deverá durar cerca de três horas, e Bolsonaro sequer chegará a ficar inconsciente. Mas os médicos admitem que ele possa ter que ficar em convalescença por dez dias. Isso não deverá implicar na necessidade de afastamento do cargo, mas, na prática, Mourão ficará de prontidão.
Assim, passados 34 anos do período em que o general João Figueiredo deixou o Palácio do Planalto para a posse de José Sarney, novamente um general estará na Presidência da República. Embora Bolsonaro também tenha origem militar, já que foi capitão, a situação é diferente. Bolsonaro deixou o Exército em 1988. É político, portanto, há 31 anos. Mourão foi para a reserva em fevereiro do ano passado e é um general com forte liderança nas Forças Armadas.
E não se trata de um general qualquer, mas de alguém que prestou homenagem ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, apontado como torturador no regime militar, e deu palestra numa Loja Maçônica de Brasília defendendo a intervenção militar caso a corrupção não cessasse ou que chamou de “autogolpe” caso se entendesse haver risco institucional para o país. Mourão chegou a contrariar Bolsonaro, criticando o pagamento do 13º salário. Para ele, o 13º salário era uma “jabuticaba brasileira” e uma “mochila nas costas dos empresários”.

Dessa forma, para evitar novos arroubos verbais de Mourão o presidente preferiu se acautelar. Avalia-se que, sob os holofotes, o interino possa dizer algo inconveniente que venha a prejudicar o governo. Nos corredores do Palácio do Planalto, isso chegou a ser batizado de “risco Mourão”. O próprio vice-presidente, porém, está disposto a evitar ao máximo gerar problemas de qualquer natureza. Promete se manter discreto. Até porque entende que ascende à Presidência ainda desgastado pelo episódio que envolveu seu filho Antônio Hamilton Rossel Mourão, brindado com uma promoção no Banco do Brasil que triplicou o seu salário. O general garantiu a pessoas próximas que tudo isso o fará “ficar na muda”, “ser um militar disciplinado”. Antes da posse, ele era general e Bolsonaro capitão. Agora, Bolsonaro é presidente, chefe das Forças Armadas. O comandante é ele.

Mourão quer evitar discursos

Fontes ouvidas por ISTOÉ afirmaram que o vice-presidente vai ocupar o máximo de seu tempo trabalhando com tarefas burocráticas, na assinatura de atos de rotina e no cumprimento das formalidades do cargo. Deverá evitar solenidades públicas em que seja instado a discursar. É nesse tipo de evento, com público grande, que Mourão costuma se inflamar e sua sinceridade provocar desconfortos. Foi assim, por exemplo, numa reunião no Sindicato do Mercado Imobiliário (Secovi), realizada no ano passado, quando ele afirmou que famílias pobres “sem pai e avô, mas com mãe e avó, são fábricas de desajustados que fornecem mão de obra ao narcotráfico”.

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Para evitar polêmicas, o vice-presidente vai ocupar seu tempo trabalhando com tarefas burocráticas, assinando atos de rotina e cumprindo as formalidades do cargo

Antes de assumir a Presidência, o general Hamilton Mourão deverá nomear 60 assessores para trabalhar junto com ele nas áreas jurídica, militar, diplomática e de comunicação. Essas nomeações não serão exclusivas para a interinidade da Presidência da República. Eles serão aproveitados na nova rotina da vice-presidência.

Mourão ainda tem buscado espaço dentro do governo para obter uma espécie de função gerencial da Esplanada dos Ministérios. Função essa que, até o momento, foi negada pelo presidente da República para não esvaziar Onyx Lorenzoni, Bebianno e Santos Cruz. No governo, espera-se que esse movimento não ganhe corpo na interinidade do vice-presidente.

Balde de água fria

Nos bastidores do Palácio do Planalto, fala-se que o próprio Mourão sabe que está em fase de “monitoramento”. Outra ameaça à disposição do vice de ficar quieto seria o presidente do PRTB, Levy Fidelix. O eterno ex-candidato à Presidência em eleições passadas, defensor do aerotrem, gostaria que Mourão fosse um pouco mais proativo na Presidência e possibilitasse algum momento de destaque para o partido. É tudo o que Bolsonaro não quer. Obedece quem tem juízo. O general, mais uma vez, terá de prestar continência ao capitão.


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