Editor de gênios como Scott Fitzgerald, Thomas Wolfe e Ernest Hemingway, William Maxwell Evarts Perkins ou simplesmente Max Perkins (1884-1947) acalentava um desejo bem singular: o de ser “um anãozinho no ombro de um grande general, aconselhando-o sobre o que fazer e não fazer, sem que ninguém percebesse”. É de alguém com o perfil outrora almejado por Perkins, — sem a exigência de permanecer incógnito, pelo contrário — que o capitão reformado e presidente eleito Jair Bolsonaro não deveria prescindir no governo que se avizinha. Não apenas para orientá-lo sobre caminhos a percorrer e trilhas a evitar na nada elementar missão de dirigir um País complexo e repleto de nuances como o Brasil. Mas sobretudo para instruí-lo sobre o que dizer ou não publicamente — e arrogar-se da tarefa quando necessário. O posto na estrutura governamental que mais se aproxima do que Bolsonaro precisa é o de porta-voz da Presidência. Com a nomeação de uma pessoa para a vaga, o presidente eleito daria início à profissionalização do setor de comunicação, hoje feita de maneira rudimentar por auxiliares.

Coincidentemente, o ofício foi concebido em 1969 por Emílio Garrastazu Médici, o presidente da ditadura mais reverenciado por Bolsonaro. Médici convidara para exercê-lo o jornalista gaúcho Carlos Fehlberg. Desde então, 16 profissionais desempenharam a função. Nos últimos dias, aliados expressaram a Bolsonaro a preocupação com os ruídos na comunicação de seus planos, provocando o sentimento de que o discurso do novo governo é desconexo e tocado à base de improvisações. Não à toa. O episódio da fusão, não lograda, entre os Ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura é um caso emblemático. Não estaria na conta do “recuo” presidencial se anúncios precoces não tivessem sido levados a cabo. As críticas à China e a ideia de sopesar a transferência da embaixada brasileira em Israel de Tel-aviv para Jerusalém, mal digeridas pelo agronegócio, aliado de primeira hora de Bolsonaro, também foram fruto de manifestações feitas no afogadilho das circunstâncias.

A sensação de improviso poderia ter sido evitada se Bolsonaro já tivesse alguém para ecoá-lo. O indigitado só não pode ser um militante ou uma pessoa destinada a manter uma relação de trincheira com a mídia, algo parecido com o que acontece hoje – uma versão mal ajambrada do “nós contra eles”. Deve-se procurar alguém capaz de entender como a imprensa funciona, seus meandros, idiossincrasias e desejos mais recônditos. E, como bem disse o vice-presidente eleito, general Hamilton Mourão, alguém que “saiba transmitir aquilo que o governo quer transmitir”.

Por mais que o núcleo duro do governo acredite que é possível governar no embalo das redes sociais, não é recomendável fazer ouvidos moucos à imprensa, por antidemocrático, nem cultivar uma relação beligerante com a mesma, por arriscado. Nas chamadas “Cartas Críticas”, entregues diariamente ao presidente Lula antes do café da manhã, Bernardo Kucinski já alertava em 16 de maio de 2003, ou seja, decorridos apenas cinco meses de gestão petista, para a “ausência de ritos de comunicação entre governo e mídia”. Conta Antonio Lassance, ex-assessor do gabinete pessoal de Lula, que, certa vez, um ministro resolveu encaminhar ao Presidente da República o pedido de exoneração. Diante de uma crise aguda que açoitava o Planalto, o integrante do primeiro escalão explicou a auxiliares por que achava que estava na hora de “pegar o boné”: ‘Os leões precisam de carne’. Os leões, segundo ele, eram os veículos de imprensa. Trata-se de um exagero retórico, claro. Mas, desde o jornalista da Revolução Francesa Jean-Paul Marat e seu jornal insurrecional “O amigo do povo”, é da natureza da imprensa agir com apetite feroz atrás de fatos, bastidores e notícias que nem sempre vão agradar ao inquilino do poder. Um bom começo para qualquer governo, independentemente de coloração partidária ou inclinação ideológica, é saber o quê e como comunicar. Como ensinou Max Perkins, a palavra é dotada de uma força descomunal. Só para quem sabe manejá-la.

FOTO: Divulgação

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