É evidente que a estátua de Borba Gato, instalada entre as avenidas Santo Amaro e Adolfo Pinheiro, na Zona Sul de São Paulo, é uma agressão às almas sensíveis que ainda habitam esse mundo. Gigantesca, aterrorizante, é uma espécie de entulho autoritário que nos lembra diariamente da sangrenta ocupação colonial no Brasil, marcada pela escravização e pela matança de povos indígenas.

Apesar dessa herança indigesta, o monumento tem defensores. Há quem goste dele e do próprio Borba Gato e tenha ficado chocado com o incêndio que o atingiu. Reivindicado pelo grupo Revolução Periférica, o ataque foi incapaz de destruir a estátua, mas mostrou que sua existência é perturbadora e divide a população.

A selvageria do ato de incendiar o monumento deixa expostos seus objetivos simbólicos. O ataque atinge a memória do personagem e decreta que o genocídio cometido contra os indígenas e os negros no passado não pode ser tolerado. Questiona, antes de mais nada, a elevação do bandeirante à condição de herói nacional.

Se os métodos para chamar atenção para o equívoco histórico são agressivos, os efeitos do ataque podem ser proveitosos. Questionar a glorificação de Borba Gato é uma iniciativa sensata. Ele era o mais cruel entre os cruéis, um sujeito sanguinário e homicida, que escravizou milhares de indígenas.

O bandeirante matou inclusive um português numa emboscada, o fidalgo Dom Rodrigo Castelo Branco, administrador-geral das Minas, com quem se desentendeu. Depois disso, passou 17 anos fugindo pelas matas para escapar da Justiça.

O fato é que Borba Gato representa um passado terrível que não deve ser exaltado. Pode-se argumentar que ele era um homem de seu tempo e que não faz sentido julgar seus atos com o olhar do presente. Mas pior do que isso é passar pano e cultuar a imagem de um inegável genocida com uma estátua de 13 metros.

Chegou a hora de olhar mais criticamente para nossos monumentos para avaliar exatamente o que e quem estamos homenageando. Talvez fosse o caso de se fazer um plebiscito municipal com a população paulistana para verificar se ela quer ou não que a estátua de Borba Gato continue de pé.