A incapacidade dos sucessivos governos argentinos em executar as reformas necessárias para colocar sua economia nos eixos produz, de tempos em tempos, crises avassaladoras. A que está em curso no momento coloca no chão a política de ajustes liberalizantes tentada pelo presidente Mauricio Macri, que teve que subir os juros em 33% no final de agosto – alcançando os 60% ao ano – e vê a inflação aumentar 10 pontos percentuais em 2018. Houve fuga em massa de investidores e o governo precisou recorrer a empréstimos que já atingem US$ 57 bilhões junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para fechar suas contas. Com seu mandato se aproximando do último ano, Macri enfrentou uma greve geral na terça-feira 25 que afetou 15 milhões de pessoas e praticamente parou o país. A população está revoltada e saques a lojas e supermercados têm sido registrados em várias cidades.

CARESTIA Alta dos preços e escassez de produtos já provocaram saques em mercados em bairros periféricos (Crédito:Divulgação)

Para completar o quadro, o presidente do Banco Central da Argentina (BCRA) Luis Caputo pediu demissão após três meses no cargo por alegadas “razões pessoais”. Com trânsito em Wall Street, ele discordava da equipe econômica e saiu no dia da greve geral, justo quando Macri estava na 73ª Assembléia Geral das Nações Unidas, em Nova York, tentando demonstrar ao mundo que a Argentina não estava numa pior. O problema é que esse clima de inferno astral político-econômico parece não ter data para acabar, já que o peso é a moeda que mais perdeu valor frente ao dólar neste ano e um acordo com o FMI sempre precede ajustes de dolorosa austeridade, como ocorreu na crise argentina de 2001.

Enquanto Macri afirma na ONU que o país faz “esforços corretos”, a questão central é determinar o que deu errado desde sua campanha presidencial, em 2015, que de início tanto agradou aos bancos e investidores internacionais. Com uma política econômica voltada ao mercado, ele pretendia atrair recursos para conter a debilidade da economia em um momento que as commodities agrícolas (em especial o trigo) andam em baixa, afetando a balança comercial, e colocar as contas públicas em ordem mediante corte nos gastos do governo e aumento nas tarifas de serviços públicos. Um remédio amargo que só atraiu antipatia popular e deu combustível à oposição peronista da ex-presidente Cristina Kirchner, uma populista que anda às voltas com a Justiça, mas ainda controla sindicatos e tem força política para ser eleita.

REVOLTA Greve praticamente parou o país: temor de confisco de depósitos bancários (Crédito:Natacha Pisarenko)

As fragilidades internas argentinas são evidentes, porém o cenário internacional pode pesar ainda mais. A guerra comercial entre Estados Unidos e China, com a criação de barreiras alfandegárias, é um problema para os argentinos, que aumentaram até 2020 a taxação das exportações de produtos primários. Outro aumento perigoso é o das taxas de juros promovidas pelo Banco Central norte-americano (Fed), o que retira o interesse dos investidores das economias emergentes em prol da compra de títulos públicos dos EUA, que já eram os mais seguros do mundo e agora também estão entre os mais lucrativos. No aspecto interno, há medo de um novo “corralito”, o confisco de depósitos bancários e investimentos pessoais ocorrido em 2001. Nem o currículo liberal de Macri evitou que ele tivesse que explicar em Nova York que não fará isso de forma alguma.

Kena Betancur

“Essa renúncia se deve a motivos pessoais, com a convicção de que o acordo com o FMI restabelecerá a confiança fiscal, cambial, financeira e monetária” Luis Caputo, ex-presidente do BC argentino

Para analistas brasileiros, a crise argentina nasceu da demora em adotar as reformas estruturais que o país tanto necessita. Um lembrete para o que pode acontecer no Brasil no futuro próximo. “Ele contou com o beneplácito dos investidores, só que o vencimento das contas externas de curto prazo é muito grande em relação às reservas de moeda”, diz Clemens Nunes, professor de economia da FGV. O desequilíbrio as contas e o baixo crescimento (2% em 2017) consumiram o tempo do governo. “Ele foi eleito para arrumar a casa e não o fez. Agora não tem reservas, crédito e nem com fazer caixa com exportações. É o pior cenário”, diz o professor de economia do Insper Alexandre Chaia. Para ambos os economistas, o país não conseguiu sair do círculo vicioso da exportação de commodities, que quando em retração, afetam a vida das economias despreparadas. Algo que afetou o Brasil, mas atinge com mais força os vizinhos Equador, Bolívia e, em grau muito maior, a Argentina e a combalida Venezuela.