Há exatos cem anos morria o alemão Max Weber, o maior sociólogo do século XX, direi mesmo o fundador da sociologia como ciência. Um dos principais veios de sua obra foi a relação entre Direito e Sociedade, em geral, e o papel do Direito na formação dos Estados nacionais, em particular.

Por isso, causa-me espanto ouvir certos ministros do STF abordarem candentes questões constitucionais como se fossem enteléquias, quero dizer, substâncias imutáveis que percorrem incólumes toda a evolução histórica, sem sofrer qualquer alteração. Se uma máquina do tempo um dia levar tais ministros de volta ao século 19, e eles pedirem para conhecer a empresa Ford, ficariam surpreendidos quando o cicerone os deixar na porta de uma oficina de consertar bicicletas. Pela mesma razão, ninguém deve se surpreender com o fato de alguns deles ainda hoje confundirem armazéns de secos e molhados com mega-empreiteiras e espingardinhas de matar passarinhos com fuzis AK-47.

Pior que a falta de perspectiva histórica é a tendência a invocar o caráter “sistêmico” e “objetivo” da Constituição, hoje de uma forma e amanhã no sentido oposto, sem nenhum rubor. Não penso que a Constituição é uma colcha de retalhos descosturados. Alguma ordem interna ela tem, isso é mais que óbvio. Mas se fosse um sistema rigoroso e objetivo, e sendo os ministros, sem exceção, grandes sumidades na ciência do Direito, como explicar que já estamos examinando pela terceira vez a questão da prisão, após o julgamento em segunda instância, que metade de suas excelências entende uma coisa e a outra parte entende outra. O que mais pasma é que alguns ministros estão agora dando votos contrários aos que proferiram apenas três anos atrás.
A verdade, convenhamos, é bem outra. O Brasil é regido por dois tipos Justiça. Existe uma Justiça destinada a pobres, pretos e prostitutas e outra destinada aos criminosos de colarinho branco, ricos o suficiente para pagar advogados milionários, padrão Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, especializados em interpor recurso atrás de recurso, até que a processo prescreva. O próprio ministro Dias Toffoli — cujas interpretações também vacilam bastante — declarou ter recebido o processo do ex-senador Luís Estevam um dia antes da prescrição, após 26 recursos. Ao STF cabe, como sabemos, dar a última palavra sobre o direito que verdadeiramente nos rege.

Uma protoditadura judiciária, sem sombra de dúvida.

O Brasil é regido por dois tipos de Justiça, uma para pobres, pretos e prostitutas e outra para criminosos de colarinho branco, ricos o suficiente para pagar advogados milionários

 

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