Ninguém melhor que Glenn Close sabe que o Oscar é uma caixinha de surpresas. Existem unanimidades que, às vezes, caem por terra. Mas todos os indicadores do ano apontam para um Oscar tranquilo. Melhor filme, diretor, ator, atriz, fotografia, filme estrangeiro – 2020 parece estar sendo um jogo de cartas marcadas. Seria até bom se Parasita atropelasse 1917. Isso abriria a chance de premiação de Dor e Glória, o belíssimo Pedro Almodóvar, ou do explosivo Os Miseráveis, de Ladj Ly. Mas o Sam Mendes é imbatível.

Não é só o partido estético que faz de 1917 uma experiência extraordinária. Pois o filme é isso – um experimento. Técnico, emocional. Sam Mendes já venceu o Oscar – de filme e direção – por Beleza Americana, em 1999. Não foi uma unanimidade. Era o ano de O Informante, de Michael Mann, com Russell Crowe, que venceu melhor ator no ano seguinte, por Gladiador, mas a Academia preferiu Mendes e seu astro – Kevin Spacey – que virou bicho-papão nas tenebrosas histórias que assombraram Hollywood nos últimos anos. Mendes já era um grande do teatro e, na época, estreando no cinema, ainda não se podia perceber como a relação pai/filho seria o tema dominante de seu cinema.

Foi o que mostraram Estrada da Perdição e Soldado Anônimo, em que ele, de forma brilhante colocou o foco na Guerra do Iraque de George Bush para falar da de George W. Bush, ou seja, usou o pai para falar sobre o filho. Nos seus filmes da série James Bond – Skyfall, Spectre -, mudou o foco e usou a ligação de 007 com M para abordar mãe e filho. Seu novo filme baseia-se agora em histórias de família. A vida toda Mendes ouviu as narrativas sobre as aventuras de seu avô na 1ª Guerra. Logo na abertura, dois soldados que repousam à sombra de uma árvore são chamados para a ação. Devem atravessar o campo de batalha para levar uma carta, com uma mensagem. No final, fecha-se o ciclo, à sombra de outra árvore. Durante a jornada, destruição e morte. A história é do avô, do pai do pai, e no final Schofield pede licença ao oficial para escrever uma carta – à mãe de Blake.

Em que momento Mendes decidiu que, para aumentar a voltagem emocional de 1917, o filme deveria ser narrado num só plano contínuo? Nesse sentido, se poderia até dizer que 1917 é uma fraude, pois o prometido plano-sequência é quebrado em vários planos sequenciais. O resultado não é menos impressionante. A 1ª Guerra talvez tenha sido a última grande guerra disputada homem a homem. Trincheiras, baioneta, faca. Steven Spielberg filmou o cavalo de guerra. Mendes filma homens e seu instinto sanguinário. O recado do oficial (Mark Strong) a Schofield – “Entregue sua mensagem com testemunhas. Existem homens que só querem matar.” Missão cumprida, vem o repouso do guerreiro. Mendes conseguiu – fez um filme que se coloca entre os maiores clássicos antimilitaristas do cinema. Sem Novidades no Front, de Lewis Milestone, e Glória Feita de Sangue, de Stanley Kubrick, ambos sobre a 1ª Guerra, o portentoso Guerra e Humanidade, de Masaki Kobayashi, com suas mais de dez horas, sobre a 2ª Guerra.

Após o triunfo da Netflix, em 2019, o cinema de estúdio retoma o controle. Existem críticos que preferem Martin Scorsese, O Irlandês. Ou Todd Phillips, Coringa. Outros gostariam de ver Parasita levar, um pouco pela precisão narrativa de Bong Joon-ho, mas principalmente para que o cinema internacional arrombasse a festa da maior indústria do mundo, e isso seria belo de ver. (Já houve, em 2012, quando Michel Hazanavicius venceu como melhor filme e diretor, por O Artista.) O suspense já vai terminar. A vitória terá de ser de Mendes, e será merecida.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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