O STF ampliou na semana passada a discussão sobre o aborto no Brasil. Estava sendo julgado pela primeira turma da Corte o habeas corpus que pedia a soltura de médicos e funcionários de uma clínica clandestina no Rio de Janeiro, todos presos cautelarmente sob a acusação de “interrupção da gravidez em diversas pacientes”. Por unanimidade, os cinco ministros que compõem a turma, numa decisão técnica e processual, votaram pela concessão da liberdade. A mais inesperada das surpresas veio por intermédio do ministro Luís Roberto Barroso: ele se manifestou no sentido de que não é crime o aborto praticado até o terceiro mês de gravidez, uma vez que, segundo a medicina, nesse período não está ainda formado no feto o sistema nervoso central – ou seja, para a ciência, não há vida. Barroso, na verdade, só fez a Constituição prevalecer sobre o código penal: em seu artigo 5º, o texto constitucional ampara a descriminalização do aborto (o código o criminaliza) ao garantir à mulher o controle de seus “direitos reprodutivos”.

Mais: a decisão vale apenas para o caso que estava em pauta, não tem repercussão geral. Seu voto foi acompanhado por Edson Fachin e Rosa Weber. Setores religiosos do País protestaram porque para eles a vida já se inicia na fecundação do óvulo pelo espermatozoide. É importante frisar, no entanto, que a decisão de Barroso não escancara as portas para o aborto. A questão não é tão simples assim. Ele o descriminaliza até os três primeiros meses “porque a criminalização confere uma proteção deficiente aos direitos sexuais e reprodutivos da mulher”. Em outras palavras: ao Estado cabe amparar tanto a gestante que deseja abortar quanto a que deseja ter o filho. A discussão promete ferver na próxima quarta-feira 7, quando o STF decidirá sobre o direito ao aborto às grávidas que contraem o vírus zika, uma vez que é alta a probabilidade de a criança nascer com microcefalia. O que está em jogo, nesse caso, não é somente o período de três meses.


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