O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, tem uma certeza: a sociedade brasileira demonstrou de forma muito clara nas eleições de 2018 que rejeita o toma-lá-dá-cá que marcou a relação política entre Executivo e Legislativo nos 30 anos de redemocratização. Foi um recado muito duro, que não apenas levou à eleição de um novo grupo político para governar o país, mas também à uma renovação inédita, tanto na Câmara quanto no Senado. “Não é possível que os novos parlamentares, tanto aqueles que sobreviveram, quanto os que vão chegar pela primeira vez ao Congresso, não tenham aprendido essa lição”, disse Onyx a ISTOÉ. “A certeza que temos é que a sociedade rejeitou o toma-lá-dá-cá, que é a raiz da nossa desgraça política nos últimos anos. Diante do recado das urnas, temos a obrigação de tentar um novo tipo de relação”, avalia o ministro.

Ele é sincero ao reconhecer que não há uma fórmula pronta para a nova relação que se pretende estabelecer. “Você não tem no Google uma solução sobre como se governa sem toma-lá-dá-cá”, brinca Onyx. “O que há são as experiências de outros países. Mas eles têm características próprias, que não se consegue simplesmente replicar”. diz ele. “A gente está desenvolvendo uma série de novas propostas de relacionamento”.

TARDA MAS NÃO FALHA De última hora, o PSL de Bolsonaro resolveu apoiar a eleição de Maia para a Presidência da Câmara (Crédito:Eduardo Anizelli/Folhapress)

A partir da posse do novo governo na terça-feira 1, Onyx será o principal artífice dessa nova relação. No redesenho do governo, a articulação política não será tarefa apenas dele. Será compartilhada com o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, secretário de Governo. Santos Cruz fará a articulação com os movimentos da sociedade, e com Estados e municípios. Será dele a tarefa de liberar emendas parlamentares, até porque a promessa é que elas agora não estarão diretamente vinculadas à negociação de aprovação de temas no Congresso. Onyx e sua equipe tratarão de discutir de fato a agenda com o Congresso e a aprovação dos projetos de interesse do governo. Onyx garante que isso não é um esvaziamento das suas atribuições. “Na verdade, isso melhora o processo, porque me permite focar de fato na tarefa de articulação política”.

Pressões das bases

O governo aposta muito na possibilidade de pressionar o Congresso via redes sociais, replicando agora que foi eleito a estratégia vitoriosa que usou nas eleições. No final do ano, os movimentos que alavancaram a candidatura do presidente Jair Bolsonaro, como o Movimento Brasil Livre (MBL), comprometeram-se a usar sua militância e sua estrutura agora em favor do governo para a aprovação de seus projetos. O deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), um dos principais líderes do MBL, eleito agora e que tomará posse em fevereiro, deverá ser a principal ponte para essa mobilização.

Também se intensifica nesse modelo a negociação a partir das bancadas temáticas. Boa parte das bancadas já existentes no Congresso está próxima de Bolsonaro. Como a Bancada Evangélica, a Bancada Ruralista e a Bancada da Bala, ligada aos temas da segurança pública. O que se imagina é negociar com esses grupos o eventual apoio às suas agendas, quando houver coincidência, em troca do apoio à pauta do governo.

Uma das possibilidades cogitadas é começar a relação com o Congresso a partir de projetos que já têm coincidência com o interesse dessas bancadas, como a redução da maioridade penal para 16 anos nos casos de crimes hediondos e a revisão do Estatuto do Desarmamento, permitindo a posse de armas. O governo acredita que a aprovação dessas propostas criaria uma onda favorável, que facilitaria a tramitação das reformas da Previdência, tributária e outros pontos da pauta econômica.
Mesmo nesses casos, porém, o governo espera negociar de forma temática. Está sendo construída uma Frente de Defesa do Livre Mercado, que passaria a defender no Congresso as ideias liberais do ministro da Economia, Paulo Guedes. De acordo com levantamento do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), dois terços da nova Câmara é formada por empresários e profissionais liberais. Somente empresários são 133. Eles também desejam um sistema tributário mais simplificado e eficiente. E um sistema previdenciário que seja mais sustentável.

“A sociedade rejeitou o toma-lá-dá-cá, que é a raiz da nossa desgraça política” Onyx Lorenzoni, ministro da Casa Civil

“Me parece altamente improvável que o novo governo consiga impor por muito tempo uma relação política diferente”, considera o analista André Pereira César, da Hold Assessoria Legislativa. “O presidencialismo de coalizão não foi exatamente uma opção. Foi uma construção feita ao longo do tempo diante da imensa dificuldade em se formar maioria com a imensa quantidade de partidos existentes”. Para ele, os líderes partidários podem reagir a um modelo de negociação que privilegia os líderes das bancadas temáticas, porque essa não é a tradição no Congresso. É bem possível que o Congresso tenha realmente ouvido o recado das urnas, mas mudar comportamentos arraigados sempre é algo muito difícil. Como diz o ditado: “O uso do cachimbo faz a boca torta”.

Mudanças táticas

> O novo governo pretende valer-se da pressão da sociedade via redes sociais para convencer o Congresso a aprovar as pautas de seu interesse

> Os movimentos que alavancaram a vitória de Jair Bolsonaro, como o Movimento Brasil Livre (MBL), vão arregimentar militantes para ajudar o governo nesse sentido. O principal líder do MBL, Kim Kataguiri, foi eleito deputado federal pelo PSL-SP

> Bolsonaro privilegiará a negociação com as bancadas temáticas, ao invés de negociar com os partidos políticos. Apoiará essas bancadas em troca do apoio delas à agenda do governo

> O governo cogita-se iniciar a tramitação no Congresso por pautas que estão na agenda dessas bancadas, como a redução da maioridade penal e a revisão do Estatuto do Desarmamento. Só depois o governo iniciaria a discussão das reformas econômicas, mais complexas

> Empresários e outros parlamentares ligados ao liberalismo também se organizam na formação de uma Frente Parlamentar do Livre Mercado, para ajudar o ministro da Economia na aprovação das reformas, como a da Previdência