O sertão baiano tem um novo coronel em gestação. Único representante do MDB da Bahia no Congresso, herdeiro do espólio do clã Vieira Lima e do carlismo, o deputado Ricardo Maia é um fiel aliado da cúpula do PT e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas sua força está mesmo em pequenos municípios do semiárido do Noroeste baiano, onde erigiu uma oligarquia estruturada em negócios suspeitos.

Ao chegar à Câmara dos Deputados, em 2023, Maia declarou um patrimônio de pouco mais de R$ 1,9 milhão, mas deixou de incluir, entre outros bens que possui em sua base eleitoral, a pequena Ribeira de Pombal, de 52 mil habitantes, a Fazenda Santa Lúcia, de 2.162 hectares, no município de Wanderley, avaliada por ele mesmo nos cartórios da região entre R$ 15,3 milhões e R$ 18 milhões.

Mesmo que fosse só isso, não seria pouca coisa para um líder que há menos de 15 anos ganhava a vida como tratorista, até virar vereador e prefeito por dois mandatos que se encerraram em 2020.

Como deputado, desde que assumiu, em fevereiro de 2023, tem usado as verba de gabinete para custear despesas de locação de veículos, compra de combustíveis e divulgação cujos gastos são justificados com genéricos recibos repetidos mensalmente.

Um novo coronel na Bahia
(instagram @ricardomaia.dabahia)
Um novo coronel na Bahia
Próximo de Arthur Lira, o novo cacique, que responde processos nos órgãos de controle, diz que negócios com parentes podem ser imorais, mas não ilegais. Este ano o governo liberou para ele R$ 43 milhões de emendas impositivas e de bancada, com as quais pretende eleger novos prefeitos para fortalecer o feudo (Crédito: instagram @ricardomaia.dabahia)

Empresa fantasma

Ricardo Maia apresentou 14 recibos de locação de uma empresa, a RM Veículos Ltda, da cidade de Tucano, que não aluga carros. Somados, a Câmara gastou até agora quase R$ 178 mil para a bancar a mobilidade do deputado em sua base.

Ele também contratou uma empresa de marketing em Tucano, que só tem ele como cliente, e uma outra, a Pau Brasil, que aparece nos documentos da Receita Federal e Junta Comercial da Bahia, com um endereço em Salvador, na Rua Doutor Osvaldo Ribeiro, 198, em Ondina, um prédio comercial, onde ninguém nunca ouviu falar da agência.

Em Ribeira de Pombal, o deputado também faz gastos de combustíveis no valor de R$ 12.700 mensais no Posto Canabrava cujo dono, Antônio Wendel Pereira de Souza, agente da Polícia Rodoviária Federal (PRF), é seu cunhado e fornecedor da prefeitura desde que Ricardo Maia era prefeito.

Na gestão do atual prefeito, Eriksson Silva, aliado e ‘faz tudo do deputado’, o PRF Wendel foi agraciado com um contrato milionário: R$ 12,2 milhões, assinado em dezembro de 2023, para fornecer gasolina comum, óleo diesel e etanol para a Prefeitura de Pombal.

O prefeito é um dos investigados por suspeitas de desvios atribuídos à empresa Keq Construções Ltda aberta em 2011, tendo como sócia sua esposa Aline Santos Silva. Só em 2014 o nome de Eriksson aparece como procurador da Keq em transações bancárias e no depoimento de um ex-funcionário da empresa numa ação trabalhista. No mesmo ano ele assumiu como titular da secretaria de Administração do município e, em 2020, indicado por Ricardo Maia, disputou e venceu a eleição em Ribeira do Pombal.

Uma ação popular o acusa de ser sócio oculto da empresa, que ganhou vários contratos de limpeza, locação de veículos e construção em contratos que, segundo denúncia encaminhada ao Ministério Público da Bahia, foram obtidos em pregões fraudados para camuflar a falta de licitação.Um novo coronel na Bahia

O deputado Ricardo Maia é um dos políticos baianos mais investigados.
São sete ações na Justiça Federal de Alagoinhas por suspeita de desvios de verbas federais para educação destinadas ao município.
Numa delas, o então prefeito é acusado de usar cerca de RF 11,5 milhões do Fundeb, do Ministério da Educação, para pagar honorários a um escritório de advocacia de Salvador que atuou num rumoroso caso de R$ 72 milhões em precatórios que o governo federal, por força de decisão judicial, repassou ao município e que deveriam ter sido usados integralmente na melhoria do ensino básico.
Uma tomada de contas do Tribunal de Contas da União (TCU) apontou a irregularidade, frisando não ter encontrado documentos que justificassem o acordo firmado entre o município e o escritório.
O então prefeito seguiu um parecer do advogado-geral do município, Armando da Fonseca Carvalho Neto, que é seu primo, e pagou os elevados honorários.

O caso ainda está pendente no TCU, sem que até agora a Prefeitura tenha explicado à Côrte de onde tirou os recursos para “honrar” o acordo administrativo dos honorários.

Desvio de verbas

Em outro caso do Fundeb, o juiz federal Igor Matos Araújo, de Alagoinhas, condenou Ricardo Maia e outros servidores a devolverem, no ano passado, cerca de R$ 1,5 milhão por uso irregular de dinheiro do fundo em 2013 para locação de veículos, uma fraude tão grosseira que a micro-empresa contratada, de uma amiga do então prefeito, Ivoneide Araújo Lima, colocou nos recibos da suposta frota placas de 9 veículos que pertenciam ao município.

E, como se isso fosse possível, justificou 5.541 diárias, para um período de 188 dias. Ivoneide é mulher do então diretor de compras de Ribeira do Pombal, Odilon Rocha. Escorreram pelo ralo R$ 550 mil.

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O prefeito de Tucano, Ricardo Maia Filho, se elegeu com o prestígio do pai deputado. Em sua gestão, a Prefeitura também faz negócios com empresa do sogro do deputado (Crédito:Divulgação )

No caso mais curioso, novamente envolvendo a Fundeb, Ricardo Maia pagou uma multa de R$ 15 mil para extinguir o processo sobre corrupção que, no final, acabou não ocorrendo porque o governo federal deixou de conceder um aumento de recursos do Fundeb que o grupo esperava.

O caso revelou, no entanto, um modus operandi de corrupção que se tornara corriqueiro: o empresário Kells Belarmino Mendes, dono de duas empresas em Salvador, coordenava uma rede de fraudes simulando pregões, viciando licitações e realizando todo o serviço burocrático necessário para, em conluio que rendia polpudas propinas aos prefeitos, abocanhar em bloco de verbas federais destinadas aos municípios.

Ricardo Maia envolveu-se com ele em 2013 e aceitou inclusive que ele pagasse um estelionatário que simularia a publicação de um falso edital. Preso pela PF na Operação Águia de Haia, fez delação, entregou 17 prefeitos da região, todos processados por peculato, mas acabou livrando Ricardo Maia porque o esquema não se consumara.

Em Ribeira do Pombal tudo que envolve negócios públicos com empresas privadas passa por Ricardo Maia.
O cunhado é dono do posto que vende o combustível, o sogro, José Raimundo Souza Costa é dono do JR Mercadinho, que fornece alimentos e material de limpeza e que faturou R$ 3,1 milhões este ano em contratos com as prefeituras de Ribeira do Pombal e Tucano.
Uma prima da madrasta do deputado, Ana Paula Solposto Nogueira, é pregoeira de Ribeira do Pombal e de outros dois municípios controlados pelo deputado: Tucano, administrado por seu filho Ricardo Maia Filho, e Araci, onde ele lançou o irmão, o caminhoneiro Zelito Maia como candidato à prefeito deste ano.
A mulher do deputado, Lackcelma Costa, é Secretária de Saúde na gestão do amigo Eriksson Silva, que também empregou como secretária de Educação a irmã do parlamentar, Vanessa Maia, casada com o policial dono do posto Canabrava.
O casal colocou na composição acionária do posto uma ex-empregada doméstica da casa, Nidivan Santos de Souza, que até os paralelepípedos da cidade sabem que não tinha R$ 250 mil para o capital de abertura do estabelecimento registrado na ata de em fevereiro de 2018.
Em fevereiro de 2022, numa nova alteração contratual, o capital foi elevado para R$ 750 mil e Antônio Wendel, com a participação de R$ 350 mil, tornou-se sócio de Nidivan. “Todos na cidade sabem que o dinheiro escoa por aí”, disse à ISTOÉ o comerciante Marcus Vinícius, ex-amigo que trabalhou com Ricardo Maia na Câmara Municipal e depois na Prefeitura. Os dois romperam após de uma disputa amorosa.Um novo coronel na Bahia

Herança parlamentar

O próprio adversário reconhece que Ricardo Maia se projeta no agreste baiano como um novo líder regional. “Ele é truculento, agressivo, mas também determinado e destemido. Impõe medo pela coragem e pelo poder financeiro que passou a ter”, afirma Marcus Vinicius.

Antes de ingressar na política, diz o ex-amigo, Ricardo Maia “saía pelas roças fazendo plantação” e trabalhando para fazendeiros. Um deles é o ex-prefeito de Ribeira do Pombal, Zé Grilo, para quem o deputado trabalhou de tratorista. Filho do ex-deputado José Lourenço, expoente baiano do carlismo até o final dos anos de 1990 – outro espólio que o deputado “herdou” -, Zé Grillo foi quem lançou Ricardo Maia na política, mas, segundo Vinícius, se arrependeu porque foi “morto” politicamente pela própria cria.

Este ano o governo liberou para deputado R$ 43 milhões em emendas parlamentares, que ele destinou às Prefeituras de Tucano, Ribeira do Pombal, Fátima e Heliópolis, onde o filho e aliados disputam a reeleição.

À ISTOÉ Ricardo Maia diz que pode ter esquecido de mencionar a fazenda Santa Lucia na sua declaração de bens, mas nega irregularidades na questão dos precatórias e afirma que nas despesas do mandato segue recomendações da Câmara. Afirma que a Pau Brasil prestou serviços à Prefeitura e que as relações comerciais de parentes com o município “podem ser imorais, mas não ilegais”.

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O governador Jerônimo Rodrigues e Ricardo Maia fazem a dobradinha PT/MDB no sertão baiano (Crédito:Divulgação )