O presidente Jair Bolsonaro desistiu de nomear um ministro “terrivelmente evangélico” para o Supremo Tribunal Federal (STF) e indicou esta semana o católico Kassio Nunes Marques para ocupar a vaga aberta com a aposentadoria do decano Celso de Mello, que deixa o tribunal na próxima terça-feira, 13. Vice-presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), com sede em Brasília, Marques desbancou os favoritos do presidente até então, como Jorge Oliveira Francisco (Secretaria-Geral de Governo) e André Mendonça (Justiça e Segurança Pública), considerados os mais fiéis ministros do mandatário. Os dois ministros, no entanto, não estão totalmente descartados porque a bancada evangélica ainda pressiona Bolsonaro a escolher um deles e o presidente pode vir a mudar de ideia, como já fez em outras oportunidades. De qualquer forma, eles ficam na manga do colete do presidente para futuras nomeações, já que no ano que vem se abrirá uma nova vaga no tribunal, com a aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello. O futuro ministro do STF ainda terá que ser sabatinado e aprovado pelo Senado. Segundo fontes de ISTOÉ, ele foi indicado pelo filho 01 do presidente, o senador Flávio Bolsonaro, que conta com um aliado na Corte para ter amenizada sua complexa situação penal, agravada com a recente investigação feita pelo Ministério Público do Rio de Janeiro pelos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa no caso das rachadinhas.

Além da indicação do filho, pesou na escolha o aval dado pelo Centrão, especialmente do senador Ciro Nogueira (PP), considerado pelo presidente como o 05 e que, a exemplo do desembargador, também é do Piauí. Embora ainda não tenha encaminhado o nome de Marques oficialmente ao Senado, Bolsonaro já levou-o à casa do ministro Gilmar Mendes para um jantar, onde estavam ainda o ministro Dias Toffoli, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, e o ministro Fábio Faria. sacramentando a indicação. O presidente do STF, Luíz Fux, contudo, não gostou da indicação. Queria um nome com maior densidade. Os bolsonaristas torceram o nariz nas redes sociais e postaram fotos de Marques ao lado do governador Wellington Dias (PT), do Piauí, insinuando suas ligações com os petistas, já que foi Dilma Rousseff que o indicou para o TRF-1, onde ele chegou como representante do quinto constitucional da advocacia. Antes de tornar-se desembargador, Marques foi integrante do Tribunal Regional Eleitoral do Piauí e advogou por quinze anos. É mestre pela Universidade Autônoma de Lisboa, onde fez doutorado. Ele tem duas pós-graduações e também é professor em Direito Empresarial do IBMEC-DF. Com todos esses predicados técnicos, dificilmente o Senado deixará de aprovar seu nome. Ele ainda terá que ser sabatinado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, presidida por Simone Tebet (MDB-MS). Depois, o nome precisa ser aprovado no plenário da Casa e obter a maioria dos votos dos 81 senadores. De acordo com Tebet, o processo na CCJ pode levar até quatro semanas e o nome chancelado por Bolsonaro deverá ser votado ainda em novembro, antes do recesso parlamentar.

Prisão em segunda instância

Apesar da surpresa, ministros do STF ouvidos por ISTOÉ dizem respeitar o trabalho do desembargador Kassio Marques, conhecido no tribunal como um juiz dinâmico e que chega a proferir até 600 decisões por dia. Afinal, o TRF-1 tem sob sua jurisdição demandas do Distrito Federal e outros 13 estados, entre eles Minas Gerais, Bahia, Goiás, Pará e Amazonas. O desembargador é considerado discreto, tem conhecimento jurídico e posições firmes. Ele defende, por exemplo, a prisão após condenação em segunda instância. Se o ministro Luiz Fux, presidente do STF, vier a colocar o assunto novamente em discussão na Corte, como prometeu no discurso de posse no dia 10 de setembro, o voto do novo ministro deverá mudar o quadro sobre a questão no STF, já que Celso de Mello votou contra a prisão em segunda instância, o que determinou o placar de 6 a 5 contra a manutenção da medida no tribunal. Com a nova composição, a segunda instância voltaria a vigorar.

Assumindo o lugar de Celso de Mello, Marques deverá herdar as ações que estão nas mãos do decano, como o inquérito que investiga as denúncias de Sergio Moro sobre a interferência na Polícia Federal. O novo integrante do Supremo evitará, assim, dissabores ao presidente. Como se sabe, Mello exigiu que Bolsonaro deponha presencialmente no inquérito sobre a PF e autorizou o ex-ministro a inquiri-lo, muito embora o ministro Marco Aurélio Mello já tenha derrubado essa decisão, permitido que o presidente faça o depoimento por escrito. A questão, contudo, ainda vai passar pelo plenário da Corte. De qualquer forma, com um ministro indicado por ele, Bolsonaro espera ter a garantia de um aliado para contornar eventuais embaraços do governo no tribunal. Ministros do STF se dizem aliviados com a indicação de um ministro técnico no lugar de um ideológico, como seria se os indicados fossem Jorge Oliveira Francisco ou André Mendonça. Esses dois ministros, por serem da “cozinha” de Bolsonaro, poderiam contribuir para uma certa desarmonia entre o Poder Judiciário e o governo, que, nos últimos tempos, vem enfrentando enorme desgaste, sobretudo após as investigações conduzidas pelo ministro Alexandre de Moraes sobre as fake news e os atos antidemocráticos envolvendo bolsonaristas. Nesses inquéritos, até mesmo os filhos do presidente constam entre os suspeitos na prática de crimes.