No texto em que justifica o Nobel concedido a Abdulrazak Gurnah em 2021, a Academia Sueca ressalta que a decisão surgiu de sua “emocionante descrição dos efeitos do colonialismo na África e do destino dos refugiados, um abismo que surge entre diferentes culturas e continentes”. Nascido na ilha de Zanzibar, território da Tanzânia, na África oriental, o autor já publicou dez romances, incluindo Paradise (1994), indicado ao Booker Prize e ao Whitebread. Sobrevidas (Companhia das Letras) é seu primeiro título a sair no Brasil. A história reúne gente comum, como o casal Khalifa e Asha, o jovem Ilyas, o soldado Hamza. O que paira sobre todos, embora pareçam nem perceber, é o fantasma de uma guerra interminável contra inimigos que se sucedem; uma hora os colonizadores são alemães, depois são expulsos para dar lugar aos ingleses, que mantêm a mesma e cruel dinâmica escravagista. Em meio a interesses geopolíticos e econômicos das potências que se revezam no poder, o que menos importa é a existência de quem vive nessas aldeias, seres humanos com famílias, vidas, sonhos. Por meio de uma linguagem seca, embora não desprovida de emoção, Gurnah conta as histórias dessas pessoas como se essa situação fosse normal. Não é: o sentimento que prevalece é um cansaço fatalista de que a realidade deve ser aceita, tal qual um ser superior a concebeu. Ao expor o cotidiano do colonialismo, Gurnah revela ao mundo seu absurdo.

O imigrante conta sua história

Quando descreve o drama das guerras africanas e sua consequência direta, o enorme fluxo de refugiados, Abdulrazak Gurnah sabe do que está falando. Ele mesmo deixou a Tanzânia nos anos 1960 e imigrou para o Reino Unido durante a Revolução de Zanzibar, que perseguiu a população de origem árabe. Em Sobrevidas, narra como os países europeus redesenharam o mapa da África sem respeitar a história de seus diversos povos.