Quando ainda pleiteava uma vaga no Supremo, o então advogado carioca Luís Roberto Barroso tecia críticas a um comportamento da Corte o qual dizia ser deletério à democracia. Para o aspirante à toga, o STF deveria ser menos uma soma de individualidades e mais um colegiado. Investido do cargo de ministro do STF, Barroso parece ter esquecido do que um dia defendeu. Na última semana, o magistrado agiu quase como um militante político. Numa atitude que resvalou para o vedetismo e o culto da personalidade, Barroso fez pouco caso da Constituição, atropelou a Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, e avocou para si a decisão de quebrar o sigilo bancário do presidente Michel Temer no período entre janeiro de 2013 e 30 de junho de 2017. A iniciativa espantou os próprios colegas de tribunal, mas não constituiu uma novidade. Barroso é useiro e vezeiro em colocar a ideologia acima do bom direito.

NA MIRA O presidente Michel Temer é o alvo preferencial do ministro Barroso. Não quer dizer que será o único (Crédito:Walterson Rosa)

Se optasse por obedecer à estrita liturgia jurídica, em detrimento do ativismo ideológico, o ministro deveria ter ouvido o Ministério Público Federal antes levar a medida adiante. Não o fez porque já sabia a resposta: a Procuradoria-Geral da República não viu indícios suficientes capazes de justificar a medida extrema. Barroso também poderia ter dividido a bola com um colega. Mas o ministro parece querer brilhar mais que os processos que julga. Preferiu atender a um pedido de um delegado, Cleyber Malta, sem consultar o colegiado, que um dia defendeu que deveria prevalecer sobre o individualismo exacerbado da Corte. Resultado: pela primeira vez na história um presidente da República, no exercício do mandato, teve seus sigilos quebrados. Ao promover uma investigação aberta e sem objeto das contas bancárias do chefe do Executivo quando este ainda não ocupava o posto, Barroso violou o parágrafo 4º do artigo 86 da Constituição.

Contas devassadas

Escaldado, Temer resolveu se antecipar. Decidiu ele mesmo divulgar o conteúdo dos extratos bancários. Na última semana, ele oficiou ao Banco Central que levantasse todos os dados da sua movimentação financeira para que ele próprio os tornasse públicos. “Esse é um caso absurdo de crime sem cadáver. Acusa-se o presidente sem que nada de concreto se mostre”, avaliou uma fonte do Palácio do Planalto.

A decisão faz parte das medidas adotadas pelo relator no processo que investiga Temer por suposto recebimento de propina em relações com empresas que atuam no Porto de Santos (SP). Temer é suspeito de receber propina para favorecer a empresa Rodrimar, que atua no Porto de Santos, na publicação de um decreto que alterou regras do setor. A defesa de Temer alega que o decreto 9.048, de 10 de maio de 2017, além de se relacionar a todo o sistema portuário brasileiro, é claro ao afirmar no parágrafo terceiro do seu artigo segundo que ele “não se aplica aos contratos firmados antes da vigência da Lei nº 8.630, de 25 de fevereiro de 1993”. O contrato da Rodrimar no Porto de Santos é anterior a essa lei. Portanto, o decreto de Temer não se aplicaria a ela.

Como se fosse pouco mandar levantar o sigilo bancário de um presidente da República no exercício de suas funções, o ministro do STF Luís Roberto Barroso ainda se deixou levar por teorias da conspiração. Alardeou um suposto e grave vazamento para a defesa do presidente de um procedimento sigiloso determinado por ele. Em seu despacho, alegou que a petição apresentada pela defesa do presidente revelaria conhecimento antecipado até mesmo dos números de autuação que teriam recebido. Ao ser questionado por um jornalista sobre a decisão de levantar o segredo bancário de Temer, Barroso foi lacônico: “É um procedimento sigiloso. As palavras perderam o sentido no Brasil”. O esclarecimento da defesa de Temer revela o imenso exagero das suspeitas de Barroso: os advogados do presidente conseguiram todas as informações na internet, num simples clicar do mouse. Tudo foi obtido em consulta ao Diário de Justiça Eletrônico, disponível no próprio site do Supremo Tribunal Federal.

Para se antecipar à quebra do sigilo bancário, o presidente Temer pediu os extratos ao Banco Central. Ele diz que pretende divulgar os dados

O inquérito que envolve o presidente no caso de supostos pagamentos de propinas pela Rodrimar por benefícios inexistentes no decreto 9.048 surgiu de uma sugestão de Rodrigo Janot, quando ainda Procurador-Geral da República. Nas 64 páginas de sua primeira denúncia para tentar apear o presidente do cargo, ele dedicou 34 ao caso dos Portos, sem apontar um único indicio de que Temer pudesse ter cometido algum crime. A defesa do presidente lembra que no inquérito não há nenhum indício contra Temer, prova disso é que se pediu para prorrogar o prazo de investigação por mais 60 dias. Barroso, no entanto, revelou apreço incomum à luz intensa dos holofotes. Sócrates aconselhava os juízes a ouvir cortesmente, responder sabiamente, considerar sobriamente e decidir imparcialmente. É tudo o que Barroso demonstra não fazer.