23/07/2024 - 11:18
Entrar em um restaurante que motivou uma série premiada com 23 indicações ao Emmys neste ano é uma tarefa tentadora, mas restrita a bravos, destemidos e resistentes. Sem essas características não dá nem pra cogitar conseguir um espaço para experimentar o italian beef sandwich, prato principal do Mr. Beef, lanchonete que serviu de inspiração para a série “O Urso” (Disney+).
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Antes de relatar a visita, abro um parêntese sobre a história para quem ainda não maratonou a série, que já chegou à terceira temporada.
“Carmy” Berzatto é um chef jovem, talentoso e premiado que tem de abandonar a carreira em ascensão em restaurantes com estrelas Michelin para voltar a Chicago e cuidar da lanchonete da família.
Isso porque seu irmão mais velho cometeu suicídio. Além de um buraco na cabeça e na administração do negócio, o irmão deixou uma dívida de centenas de milhares de dólares para “Carmy” bancar. Sua estratégia passa por modernizar a cozinha e o serviço da lanchonete, mas ele depara com uma equipe insubordinada.
Esses são os ingredientes principais de uma trama que a série não faz o menor esforço para harmonizar. E, claro, o caldo entorna a todo momento. Fechado o parêntese.
Fila do cão
Para os supersticiosos, o endereço do Mr. Beef pode estimular um mau presságio: 666, North Orleans Street, na região noroeste de Chicago. Ao chegar ao local a impressão é de que a tarde será infernal. Às 14h32 de segunda-feira, dia 22 de julho, a reportagem do site Revista Menu desceu do Uber na porta do estabelecimento. Antes de se despedir, o motorista perguntou: “Vai encarar essa fila?”. “Tenho uma missão”, respondi. Cerca de 50 pessoas, dois carrinhos de bebê e um cãozinho shitzu estavam alinhados à nossa frente, na calçada a partir da porta de entrada do Mr. Beef.
A fila andava num ritmo extremamente vagaroso. Um homem saiu de dentro do restaurante com seu lanche na mão e avisou: “A fila está demorando uma hora!”. Às 15h21, a reportagem chegou à porta do restaurante. A fila interna ainda tinha 12 pessoas, apenas um carrinho de bebê e o mesmo shitzu, que passou a latir. Nesse momento, as previsões infernais voltam a ganhar corpo devido ao calor do ambiente. Isso porque, atrás de um balcão, estão concentrados grelhas, fritadeiras e chapas.
Apesar da temperatura alta, a espera fica bem menos penosa a partir desse ponto, pois já dava para matar o tempo admirando as paredes cheias de fotos autografadas por gente como Keith Richards (guitarrista da banda de rock Rolling Stones), George Benson (cantor e guitarrista de jazz e pop) e o apresentador de TV Jay Leno. Todos jurando amor ao Mr. Beef.
Às 15h38, o pedido foi feito: um italian beef sandwich com uma diet Pepsi para regar. Três minutos depois, estava tudo pronto e pago. Visitantes inseguros quanto ao inglês devem estar preparados para responder a quatro perguntas: qual é o pedido? Quer apimentado, doce ou sem nada? Fritas acompanham? Qual vai ser a bebida? No nosso caso, as respostas foram, respectivamente: italian beef, spicy, no e Diet Pepsi.
Os avançados no idioma podem incrementar o lanche com queijos americano ou provolone, além de levar mais molho – retomo o assunto adiante – em um copinho.
Volto rapidamente à cronometragem para dizer que, às 15h43, saí em direção a um salão anexo atrás das fritadeiras. Fiquei imaginando um espaço enorme e com algum grau de sofisticação, pois em uma placa na entrada lê-se, já traduzido: salão de refeições elegante. Talvez os americanos tenham outra visão de elegância, pois o espaço nada mais é do que um galpão com uma mesa coletiva e bancos de madeira.
Por um lado, isso resolve a questão de saber se aquele povo todo da fila conseguiria se instalar no interior do restaurante. A resposta é sim, e com sobra. Primeiro porque dá para acomodar umas 80 pessoas nos bancos. Segundo porque, descobre-se, quase metade das pessoas pedem para viagem (“to go”, em inglês). Por outro lado, todos os que resolvem comer no lugar são obrigados a uma ligeira acrobacia para passar as duas pernas para o lado de dentro do banco.
Acomodado entre cerca de 40 comensais, chega a hora de provar o lanche. E aí volta a questão do molho. Mesmo sem pedir o copinho com uma porção extra da coisa, a suculência do sanduíche permite mover uma hidrelétrica com o tanto de caldo que escorre pela extremidade oposta à da mordida. Isso explica a quantidade exorbitante de guardanapos oferecida aos clientes. Não tem jeito de comer sem se melar.
Passado esse desconforto, a aventura gastronômica começa. A carne é extremamente tenra e macia. Os temperos dialogam de forma que um enriquece e potencializa o outro. A giardiniera italiana dá a picância domesticada que arredonda tudo. O único senão é o pão, anunciado como italiano, mas que tem consistência de brioche. Talvez a intenção seja essa mesmo: deixar tudo tão macio que uma pessoa desdentada poderia mastigar o italian beef sandwich.
Para paladares brasileiros, a impressão que fica é a de ter provado a melhor carne louca da vida! E a pergunta que sobra é: vale a pena enfrentar mais de uma hora de fila, o calor infernal na hora de fazer o pedido, encarar o desconforto do banco na mesa comunitária e ter de controlar a hidrofobia do sanduíche?
Eu faria tudo de novo. Até porque a relação custo/benefício é ótima para padrões americanos. A refeição com bebida custou US$ 13,52 (R$ 75,34, na cotação desta segunda, 22). E, depois, preparar a receita dá um trabalho gigantesco. Como diria o motorista do Uber: vai encarar?
* O jornalista viajou a convite da Choose Chicago