Quem gosta de ler e é fanático por livros acha que sempre cabe mais um em casa. Mas sabe, no fundo, que não é bem assim. A estante começa a ganhar fileiras duplas, livros vão se acumulando pelos cantos. E vem a Festa da USP, a Black Friday, outras promoções… Tinha um sebo no meio do caminho. No meio do caminho tinha uma livraria. Resultado: mais livros.

Quem gosta de ler e é fanático por livros tem ciúmes da sua biblioteca e quer guardar tudo para sempre. Mas sabe que as obras precisam circular – porque nem todo mundo que quer ler pode comprar. E quanto mais gente ler, melhor.

Doações são bem-vindas e necessárias em bibliotecas públicas e comunitárias, em projetos sociais e até naquela caixa que as escolas colocam na entrada para arrecadar brinquedos para o Dia das Crianças e para o Natal. “É bom que cheguem livros, e que eles cheguem cada vez mais. Porém, não podemos fazer das bibliotecas e projetos lugares de descarte”, diz Bel Santos Mayer, coordenadora do Instituto Brasileiro de Estudo e Apoio Comunitário (Ibeac) e cogestora da rede LiteraSampa, que reúne 18 bibliotecas comunitárias. É preciso, ela defende, critério e cuidado na hora de doar.

“Uma vez, pagamos um motorista para buscar oito caixas que uma senhora queria doar. Quando vimos, era todo o material advocatício do marido dela – e ela já tinha quase 100 anos. Ela fez um faxinão e não aproveitamos nada”, conta. “Para muitas pessoas, um livro doado é o livro que ela vai pegar emprestado, que vai encontrar no ponto de ônibus, que pode abrir seu caminho como leitora. Para além da faxina, seria importante pensar: Como esse livro foi bom para minha vida! Gostaria que mais alguém lesse.”

Compartilhar e espalhar o gosto pela leitura

Não se sabe onde nem quando essa história começa, e isso não importa. Esta semana, um exemplar de Confissões de Uma Garota Excluída, Mal-amada e um Pouco Dramática, de Thalita Rebouças, chegou à casa da estudante Emelly Gomes, de 13 anos, no Jardim Olinda, na região do Campo Limpo, zona sul de São Paulo. Doado para a Biblioteca Comunitária Djeanne Firmino, o livro foi separado pelas integrantes do Achadouras de Histórias depois de o pedido chegar por WhatsApp. Higienizado e embalado, ele foi entregue na casa de Emelly, de moto, por Mayara Leite, que atua no coletivo.

A ação faz parte do projeto Ligue e Leia, criado para que os moradores continuassem tendo acesso a livros durante a pandemia e o fechamento da biblioteca. As entregas são feitas duas vezes por semana e há um cardápio literário para ajudar na escolha. Naquele dia em que Emelly recebeu sua próxima leitura, foram entregues ainda obras como Nunca Desista de Seus Sonhos, de Augusto Cury; A Revolução dos Bichos, de George Orwell; As Meninas, de Lygia Fagundes Telles; gibis da Turma da Mônica; e o mangá Saintia Sho.

“Não existe palavra para descrever o quão incrível é esse projeto. Ele é maravilhoso para quem não tem boa condição de comprar livro, como eu. Vem tudo com muito amor e carinho”, diz a jovem leitora.

Não muito longe dali, também no Campo Limpo, Binho, criador do Sarau do Binho, um dos mais tradicionais da cidade, tem dois projetos de circulação – e tanto quem se deparar com a Bicicloteca pelas ruas ou passar por um ponto no dia do Livro no Ônibus pode pegar um ou mais títulos para levar para casa. Não precisa devolver, é doação. E para que eles possam seguir doando livros, precisam receber obras.

A Biblioteca Djeanne Firmino integra a rede LiteraSampa e também faz suas doações. Quando chegam livros repetidos, o grupo que gere o espaço faz questão de doar para outras bibliotecas em formação.

VIDA QUE MUDA

“Estou nesta área há décadas e é emocionante ver o que acontece. Um livro pode mudar a vida de uma pessoa. E sua presença é transformadora para toda a família”, diz Bel Santos Mayer, do Instituto Brasileiro de Estudo e Apoio Comunitário (Ibeac) e da rede LiteraSampa. “A leitura é um direito e não pode ser um privilégio. Tem de ser para toda a gente. Nós, que estamos da ponte para cá, temos a oportunidade de fazer essas histórias se multiplicarem, e precisamos fazer isso.”

Além das bibliotecas comunitárias, geralmente situadas em regiões periféricas, as bibliotecas e instituições públicas aceitam livros e outros itens afins. É preciso entrar em contato oferecendo a doação, informar os dados técnicos, e esperar que aceitem para então encaminhar.

Segundo Pierre Ruprecht, diretor executivo da SP Leituras, organização social que administra a Biblioteca Villa-Lobos e a Biblioteca São Paulo, existe uma carência de bons livros com temáticas atuais e de lançamentos – e é isso o que as pessoas costumam buscar, como nas livrarias. “Nós sempre aceitamos doações, mas não aceitamos qualquer doação. Livro didático, algumas biografias, livros em condições ruins ou publicados antes do acordo ortográfico (a não ser que muito raros ou únicos) não são aceitos”, explica Pierre.

“Para uma biblioteca ser relevante para sua comunidade, ela precisa ter literatura contemporânea e obras infantis e juvenis. E é sempre muito difícil receber livros para crianças em boas condições.” São geralmente exemplares muito usados, rasgados, faltando página, que foram parar na boca dos pequenos leitores. Um sinal de que a criança está aproveitando o objeto, de que ele não está inalcançável, e isso é bom e pode fazer a diferença na sua formação leitora.

Para ajudar a construir esse acervo para a infância, mas não só, entra aqui uma sugestão de Pierre: “Se quiser doar livros que façam realmente sentido, compre um exemplar para si e outro para uma biblioteca pública ou comunitária. O público que frequenta a biblioteca quer ler as mesmas coisas que nós. A doação que vem com esse pensamento faz uma diferença enorme”.

As bibliotecas São Paulo e Villa-Lobos têm verba para aquisição, mas recebem em média 1.500 exemplares por ano – quando não entram em seus acervos, são enviadas para o Sistema Estadual de Bibliotecas Públicas e ficam disponíveis numa espécie de loja virtual, com centenas de obras doadas por editoras, para que as mais de 600 bibliotecas possam escolher e levar aos seus leitores.

Em movimento

Dicas para quem quer doar livros

O que doar

Livros de interesse geral, como ficção e não ficção e obras infantis e juvenis em bom estado e, preferencialmente, atualizados de acordo com o Acordo Ortográfico. Títulos recentes são bem-vindos.

O que não doar

Documentos, apostilas, enciclopédias antigas, livros danificados pelo uso, pelo tempo ou por pragas, fotocópias, obras sobre empresas ou biografias sem valor literário. São raras as bibliotecas que aceitam livros didáticos.

Como doar

Entre contato com a biblioteca ou projeto escolhido, informe os títulos que deseja doar e, se forem aceitos, providencie o envio. No caso de doação para unidades do Sistema Municipal de Bibliotecas, a orientação é levar diretamente a uma das 106 bibliotecas da rede. Também funciona assim a doação para as cinco unidades das Fábricas de Cultura.

Por que doar

Um livro que você já leu, ou que não leu, mas não quer mais, pode ser útil para outra pessoa. Bibliotecas comunitárias conseguem fazer compras pontuais quando contempladas por editais, mas geralmente são formadas a partir de doações. Bibliotecas públicas têm verba para aquisição, o que nem sempre é suficiente para manter o acervo atualizado e atrativo.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.