Prestes a rodar a comédia Chacun as Vie, sobre o universo do jazz no interior da França, o cineasta Claude Lelouch anda dividindo sua agenda com a nostalgia que cerca a celebração de 50 anos do filme que lhe deu prestígio, dois Oscars e a Palma de Ouro: Um Homem, Uma Mulher (1966).

Depois de uma projeção de gala em Cannes, a love story entre dois viúvos (Anouk Aimée e Jean-Louis Trintignant), embalada pelos acordes de Frances Lai (com direito a Samba Saravah, de Baden Powell e Vinicius de Moraes), volta às telas brasileiras, em cópia restaurada, via Festival Varilux.

Dia 12, às 19h20, o longa-metragem será projetado no cine Caixa Belas Artes, matando saudades de um tipo de romantismo imbuído do espírito de um tempo de revolução. Haverá ainda sessões no dia 17, no Espaço Itaú Pompeia, às 17h25; no dia 19, no Cinemark Villa Lobos, às 19h, e no Espaço Itaú Augusta, às 19h10.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail ao jornal O Estado de S. Paulo, Lelouch relembra como era o mundo e como estava seu coração na época em que aquele filme arrebatou cinéfilos, questionando o projeto estético mais cerebral da nouvelle vague.

Qual foi o sentimento político e estético que gerou Um Homem, Uma Mulher em 1966? Que inquietação artística que o moveu?

Para que eu filme, é necessário que um tema ou uma imagem se apresente a mim. Sou apenas um observador do mundo. Naquela época, eu tinha 25, 26 anos. Meus primeiros filmes não tinham funcionado e o último deles, Les Grands Moments, não encontrava distribuidor. Eu estava à beira da falência, com vontade de desaparecer. Quando eu não estou bem, eu pego meu carro e saio por aí, a esmo. E numa noite, após uma projeção desastrosa de Les Grands…, saí correndo, sem saber para onde ir, dizendo para mim mesmo que se eu sofresse um acidente, não seria tão grave. Cheguei a Deauville, em plena madrugada, estacionei o carro à margem da praia, e dormi. De manhã, o sol acordou-me. Abri os olhos e a luz era esplêndida. Aí, avistei uma mulher que andava pela praia, na maré baixa, acompanhada de um menino e de um cachorro que se espreguiçava. A imagem era fantástica. Tentei me aproximar dela, perguntando a mim mesmo o que ela fazia ali tão cedo. Conforme me aproximava, surgiam em mim ideias acerca do que ela fazia. Mas não consegui alcançá-la. Não importava: ali, vida e criação se misturaram e o projeto Un Homme Et Une Femme nasceu naquele segundo. Corri para um bistrô e, durante duas horas, escrevi o filme. Retornei a Paris para falar com Pierre Uytterhoeven, meu roteirista. O futuro se abria para mim. Eu havia encontrado novamente o entusiasmo e a energia. A partir desse momento, a máquina voltou a funcionar: as pessoas me diziam “Sim!” quando eu esperava “Não!”, como se aquele filme fosse uma necessidade para todos. O resto você conhece…

De que maneira Um Homem, Uma Mulher reeducou o cinema francês em matéria de lirismo num momento mais racional, de nouvelle vague, de politização da imagem?

Godard e eu temos quase a mesma idade e eu cresci ao lado de Truffaut. Mas embora minha carreira tenha começado em paralelo à nouvelle vague, feita por eles, eu não me reconheço como integrante dela. Um dia, quando Um Homem, Uma Mulher alcançou sucesso, Truffaut veio até mim e me disse que eu era provavelmente o “filho” da nouvelle vague que tinha dado mais certo, pois era a primeira vez que um filme de alguém de nossa geração conquistava o mundo. Eu respondi algo que ele encarou muito mal, como se eu fosse prepotente: “Pare, eu não sou parte da nouvelle vague porque, de alguma forma, vocês me mostraram o que não fazer”.

E o que o senhor buscava fazer naquele tempo que divergia tanto da estética deles?

Queria fazer filmes que falassem aos corações dos espectadores, não aos cérebros deles. Muitas pessoas tentam intelectualizar Um Homem, Uma Mulher, num esforço de dissecar tudo, como o fato de eu alternar sequências em cor e sequências em preto e branco como se fosse uma questão estética. Era apenas uma questão de orçamento: não tinha dinheiro para rodar tudo em cor, por isso usei película PB em alguns trechos. Quando se é autodidata, como eu, a escola é a vida.

O que ficou daquele filme no tipo de cinema que o senhor segue fazendo hoje? Os ideais de 1966 mudaram com o tempo, com os filmes, com as perdas?

Embora a sociedade tenha mudado, as pessoas continuam a procurar a mesma coisa: o amor. O problema é que a ansiedade gerada pelos novos processos tecnológicos faz a gente consumir histórias de amor sem um tempo de fruição adequado. Consome-se o amor como se fosse qualquer outra coisa, pois queremos tudo instantâneo, para ontem. As novas tecnologias liquidaram o charme que havia na contemplação, na incerteza. No filme, quando Anouk Aimée envia um telegrama para Jean-Louis Trintignant, durante o Rally de Monte Carlo, aquele gesto produz um momento mágico, de espera, de surpresa. Mas este momento parece impensável no cinema de hoje. Nesse turbilhão de mudanças, eu me sinto ainda o mesmo, com o mesmo desejo de filmar: terminei meu 45.º filme, Un + Une, já inicio o 46.º… Mas o passar dos anos fez crescer em mim uma certeza: o maior crítico de cinema que existe é o tempo. Alguns dos meus filmes resistiram a ele. Ver Um Homem, Uma Mulher celebrar 50 anos é algo que eu nunca poderia imaginar.

O que o senhor poderia adiantar sobre seu novo projeto: Chacun as Vie?

Eu vou filmar muito em breve Chacun as Vie. Na forma, será algo um pouco parecido com Les Uns et Les Autres, rodado em uma cidade do interior da França. Vai ser em Beaune, neste caso. No interior, todo mundo se conhece sem se conhecer. É mais fácil viver. A trama se passa durante um festival de jazz em Beaune. É um filme com várias narrativas ao mesmo tempo. Quase esquetes. Será uma comédia: 12 histórias muito diferentes…, mas cuja décima terceira será comum a todos. Terei muitos personagens, aberto para muitas estrelas francesas.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.