“Uma infecção pode levar ao contágio em massa. Se isso acontecer, será um genocídio”, alerta o fotógrafo Sebastião Salgado (Crédito:Ramon Raupp de Oliveira)

Os primeiros índios que tiveram contato com o homem branco se recusavam a posar para fotografias porque temiam que o registro das imagens em papel roubaria suas almas. Hoje, fotos das comunidades indígenas podem salvá-las.
Conhecido por seu envolvimento em causas sociais, o fotógrafo Sebastião Salgado lançou uma campanha internacional com o objetivo de proteger as comunidades indígenas na Amazônia contra o coronavírus. Publicado em vários jornais em todo o mundo, o manifesto faz um “apelo urgente ao presidente do Brasil e aos líderes do Legislativo e Judiciário” e é assinada por artistas, políticos, arquitetos e cientistas de todo mundo. “Trabalho e convivo há sete anos com os índios na região amazônica. São mais de mil comunidades. Elas nunca foram tão atacadas, mas também nunca estiveram tão organizadas”, afirmou Salgado.

CORPOS E ANTICORPOS Risco de contaminação: índios não estão preparados para doenças do “homem branco” (Crédito:Sebastião Salgado)

Um novo ataque, desta vez direto a Salgado, veio na quinta-feira 7: em retaliação à sua campanha, a Funai (Fundação Nacional do Índio) retirou das paredes 15 quadros doados pelo fotógrafo e informou que vai leiloar as obras para “arrecadar dinheiro para os índios”. As fotos, que retratam a etnia Korubo do Coari, no Vale do Javari, estão estimadas em R$ 1 milhão. “Acho tudo isto de uma enorme mediocridade e tristeza. Esta é a maior demonstração de como estamos destruindo grandes instituições que levaram dezenas de anos para serem construídas. Amo e respeito a Funai, a sua epopéia e os seus grandes sertanistas são verdadeiros heróis nacionais. Junto ao Ibama e ao Exército Brasileiro, essas importantíssimas instituições ajudaram a preservar a maior riqueza que possuímos, o bioma Amazônico”, afirmou Salgado à Istoé, após o anúncio da Funai.

APOIO GLOBAL Celebridades apóiam o manifesto: Pedro Almodóvar, Madonna, Glenn Close, Brad Pitt, Paul McCartney, Meryl Streep, Oprah Winfrey e Sylvester Stallone, entre outros

O fotógrafo explica que o risco da Covid-19 é maior para os índios porque eles não estão acostumados às doenças do homem branco. “Apelamos aos três poderes brasileiros para que apresentem leis ou medidas que protejam essas comunidades da contaminação. Além dos garimpeiros e madeireiros que invadem suas terras para desmatar de maneira ilegal, há ainda os líderes religiosos entrando livremente que podem levar o vírus para essas comunidades. Uma infecção pode levar a um contágio em massa e, se isso acontecer, será um genocídio.”

Os riscos às comunidades indígenas são ainda maiores porque órgãos do governo como Ibama e Funai têm sido vítimas de desmontes e ingerência política. Na terça-feira 5, a Funai substituiu o chefe de uma frente de proteção a índios isolados no Mato Grosso sem consulta a autoridades indigenistas do órgão. Desde fevereiro, a área de índios isolados está a cargo de Ricardo Lopes Dias, ex-missionário evangélico que trabalhou dez anos para o MNTB (Missão Novas Tribos do Brasil), grupo que atuava justamente para converter indígenas isolados na Amazônia. O Ministério Público Federal (MPF) já pediu seu afastamento, mas ele segue no cargo. O MPF também recomendou a anulação de uma portaria publicada em abril que permite a grilagem na Amazônia, alegando que a norma “contraria a natureza do direito dos indígenas às suas terras”. A medida está no Supremo Tribunal Federal (STF) após ação protocolada pelo partido REDE. No caso do Ibama, o MPF investiga a exoneração pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles – expulso recentemente do partido Novo – , do chefe da Diretoria de Proteção Ambiental do Ibama, Olivaldi Azevedo. Ele deixou o cargo após uma megaoperação que teve como alvo madeireiros e garimpeiros ilegais em uma área indígena no sul do Pará. Na quarta 6, também no Pará, um agente do Ibama foi agredido em uma operação que queimou três caminhões e dois tratores usados para retirada ilegal de madeira – o próprio presidente Jair Bolsonaro já criticou publicamente a destruição de maquinário apreendido.

Nomes de peso

O descaso do governo com o meio ambiente tem acelerado o desmatamento na Amazônia. Segundo dados do sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (INPE), o desmatamento em terras indígenas na Amazônia brasileira aumentaram 59% nos primeiros quatro meses de 2020 em relação ao mesmo período do ano passado. O manifesto publicado por Salgado já recebeu o apoio de personalidades em todo o mundo. Entre as mais de 200 mil assinaturas, estão nomes como Paul McCartney, Príncipe Albert II de Mônaco, Richard Gere, Jane Goodall, Patti Smith, Sting e Oliver Stone, além de brasileiros como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gisele Bundchen e Fernando Meirelles, entre outros. Para mais informações, acesse https://bit.ly/indigenas_2020 .

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Segundo Salgado, a campanha se desdobrará em um projeto multiplataforma a partir de abril de 2021. Além de um livro, haverá exposições fotográficas simultâneas em museus de Paris, Roma, São Paulo e Rio de Janeiro – no Sesc e no Museu do Amanhã, respectivamente. A música é outra parte importante do projeto. O compositor francês Jean-Michel Jarre será o responsável pela trilha sonora da exposição e haverá uma série de apresentações de orquestras tocando repertório que o brasileiro Heitor Villa-Lobos compôs em homenagem à Amazônia enquanto as fotos de Sebastião Salgado são projetadas em telões. “Essa campanha é um apelo a todos os brasileiros de bem.
Os índios são brasileiros como nós”, afirma Salgado.


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