O general Walter Braga Netto, 64, atual ministro da Defesa, era adolescente quando teve início a ditadura de 1964, mas já era aluno da Academia das Agulhas Negras, em 1975, no auge do regime militar. Ou seja, já tinha idade para compreender como os seus companheiros de força agiam para matar centenas de brasileiros, prender e torturar milhares de opositores. Certamente chegou a ele como os fardados haviam tomado o governo constituído de assalto, depondo o presidente João Goulart pelas armas e se perpetuado no poder que nos fez viver 21 anos de terror, com intelectuais banidos, políticos cassados, imprensa censurada, cultura esfacelada e artistas perseguidos. Com certeza ele sabe bem o que aconteceu nos porões da ditadura. E se não participou dos atos de violência contra os brasileiros que lutavam pela volta da democracia, pelo menos pode acompanhar os efeitos perversos dos anos de chumbo.

O que é inconcebível é que ele, 36 anos depois do fim do opressivo regime militar, venha a público, em sessão na Câmara, dizer que não houve ditadura de 1964 a 1985. Uma excrescência. Segundo ele, o que houve nesse período foi um “regime forte”. E ainda por cima avalizou as atrocidades cometidas por seus companheiros de caserna, dizendo que “se houvesse ditadura, talvez muitas pessoas não estariam aqui (haveria execuções)”, referindo-se aos deputados para os quais falava na Câmara esta semana. O fato é que muitos deputados foram executados pela ditadura sim, como foi o caso de Rubens Paiva, pai do jornalista Marcelo Rubens Paiva, que até hoje não pode ver o corpo do pai (há os que dizem que seu cadáver tenha sido jogado ao mar pelos seus algozes).

Braga Netto deveria, no mínimo, ter lido os relatórios da Comissão da Verdade sobre os crimes cometidos pelo regime militar ou mesmo se inteirar dos trabalhos desenvolvidos por dom Paulo Evaristo Arns no levantamento histórico do Tortura Nunca Mais. Lá, estão nomes de todas as vítimas de seus companheiros e até nomes de alguns dos torturadores, como é o caso do coronel Brilhante Ustra, responsável pela tortura de mais de 50 brasileiros indefesos, e que até hoje é tão admirado por Bolsonaro, seu chefe supremo.

O general deveria se envergonhar do que foi feito nesses 21 anos de regime de exceção e truculência. Mas, pelo visto, ele defende o legado sangrento dos seus antecessores. Tanto que posta-se ao lado de Bolsonaro quando ele defende um golpe de estado para impedir a realização das eleições no ano que vem e chega a fazer ameaças concretas ao presidente da Câmara para pressioná-lo a aprovar o voto impresso, a maior obsessão bolsonarista. Por sorte, os parlamentares não se curvaram. Ele não fica nem um pouco constrangido ao aplaudir a passagem dos tanques obsoletos pela Praça dos Três Poderes como forma de intimidar congressistas e autoridades do Judiciário. Deveria entender, de uma vez por todas, que o Brasil não é mais uma república de bananas, que o mundo mudou e que não há mais espaço para golpes contra a democracia. Hoje, temos os poderes funcionando, a imprensa livre e uma sociedade civil organizada que não permitirá retrocessos nas conquistas democráticas. General, deixa de ser cara de pau.