É um Catch-22: para saber se você é um ignorante você não pode ser, justamente, um ignorante, já que faltam aos ignorantes as ferramentas analíticas para que reconheçam sua condição.

Você pode acusar o presidente Bolsonaro de muita coisa, mas não pode acusá-lo de ignorante.

Ah, isso não pode. Um tosco até conseguiria mais de 30 anos na vida política. Um ignorante, jamais.

Portanto, como não é um ignorante, quando percebeu que poderia ser eleito, Bolsonaro deve ter perdido o sono.

Afinal, sabia que no baixo clero, como não estava sob os holofotes da mídia, qualquer polêmica trimestral fazia com que fosse lembrado pelos seus eleitores e pronto.

Podia voltar às trevas e não precisaria aprovar, como não aprovou, patavina de projeto nenhum.

É provável até que o candidato Bolsonaro não tenha entrado na campanha para Presidência com a pretensão de ganhar. Entrou para garantir mais uns meses de polêmicas que poderiam fazer com que abocanhasse um cargo de senador no futuro, quem sabe?

Presidência ele não esperava, mesmo porque, em sua não ignorância, Bolsonaro sabe de suas limitações.

Prova disso foram suas afirmações nas primeiras sabatinas a que foi exposto, por exemplo, no programa da jornalista Mariana Godoy, onde admitiu pela primeira vez que não entendia nada de nada e que contaria com especialistas para virtualmente tudo que fosse governar.

Depois dessa entrevista, quando chegou a casa, imagino o diálogo:

— E aí mozão, como foi com a Mariana? — pergunta a futura primeira-dama.

— Foi complicado, amor… esses jornalistas são cheio dos mimimi. Acham que você tem que saber de tudo para ser presidente.

— Responde o candidato, tirando os sapatos.

— Mas você sabe amoreco! Você sabe de tudo!

Toma aqui seu St. Remy e dá aqui esses pezinhos.

Assim, o primeiro ano de sua presidência, 2019, deve ter sido assustador para nosso presidente.

Não havia polêmica que bastasse e os resultados dos especialistas estavam muito aquém do que se esperava.

Veio 2020 com o presidente perdendo até o apoio do oráculo de Carvalho.

Ou seja, em algum ponto do início de seu segundo ano de mandato, o presidente já tinha entendido que uma polêmica trimestral aos moldes do baixo clero não seria suficiente.

“Bolsonaro provou, em quatro anos, que é possível governar apenas com polêmicas e não com resultados”

Foi então que aconteceu.

O que para milhões e milhões mundo afora foi a maior tragédia dos últimos cem anos e para mais de 600 mil brasileiros e suas famílias significou mortes trágicas, para o presidente e sua equipe foi a saída que necessitavam para não oferecer resultados
em qualquer setor. Da Economia à Infraestrutura.

Da Educação à Agricultura.

Um tema complexo, de longa duração, fresquinho para criar polêmicas não a cada três meses, mas todas as semanas. Às vezes todos os dias!

Inteligente, o presidente agarrou-se à pandemia para trazer o baixo clero do Congresso para o Executivo.

Assim, durante os dois últimos anos, os brasileiros foram capturados por um estado de coisas que garantiu o bordão “você pode tirar o presidente do baixo clero, mas não tira o baixo clero do presidente”.

Agora, quando chegamos aos derradeiros meses da gestão Bolsonaro, chega também o momento de o presidente agradecer.
Agradecer aos chineses. Agradecer à OMS.

Agradecer a todos os profissionais de saúde competentes que o confrontaram. E a todos os jornalistas que, atônitos com suas afirmações primárias, negacionistas e frequentes em relação à profilaxia, tratamento e vacinas de Covid-19, deram condições para o presidente não enfrentar nenhum outro, dos infinitos desafios de governar o Brasil.

De nada, presidente.